terça-feira, 23 de dezembro de 2008

A mesma noite repetida.

Continuar doía. Mas ele preferia assim, mesmo só, continuar sozinho. A dor não era forte, era apenas incômodo demais. Sozinho, ele vivia, procurando sentido em continuar vivendo. E assim continuava, andando pelas noites claras, observando o movimento da rua, do mundo. Ocasionalmente pensava, estacionando idéias não naturais, tudo muito inerente ao próprio tudo. Era uma noite clara, estrelas surgiam espontaneamente. Apenas uma caia, cortando o céu; a deixa para um pedido.
Mas que pedido?
Procurou dentro do mais profundo sentimento, da mais profunda falta, e nada achou. Viu a deixa para a sua vida vazia cair do céu, e não fez nada. Era o fim, mais um fim, mais uma chance jogada fora. Mas ele não ficou triste. Olhou pro lado, sentiu o vento frio e tomou uma decisão, mais uma decisão e por fim, mais outra decisão precisa. Mudou, mas não completamente. Andou pelas ruas, procurando algo sem saber que procurava. Achou um bar precário, daqueles que ninguém costuma ir. Sentou sozinho em uma mesa, bebeu muita cerveja gelada e escutou uma música que o fez bem. Foi fazendo tão bem que ele já chorava sem saber que fazia. E já tomava decisões não tão precisas, mas que fariam toda a diferença. Enfim, o bar fechava, e ele retomava sua infinita caminhada para algum lugar.
Uma caminhada sempre falha. Vvoltou para casa, sem respostas e sem lembranças passadas. O mesmo trabalho contínuo de encaixar a chave teimosa no buraco da fechadura, a mesma sensação de ter olhado duas vezes de dois modos diferentes para o cachorro, e enfim, a mesma sensação de ter andado à toa.
Deitou-se na cama. A janela aberta mostrava estrelas felizes, brilhando.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Jucilene Maria

Ainda havia um resquicio de felicidade no seu rosto. Algo que durou por tempo incontável, e que naquele momento, com a passagem do carro de som, a fez lembrar que a vida não se resumia à pilha de louça suja a sua frente. Poderia ser extremamente linda, como a foto da cachoeira que o mês de novembro expunha tão alegremente para ela, ou poderia ser extremamente deprimente, tal qual agora estava.
Lavar louça a causava dor, ela refletia sobre qualquer coisa e tudo que era possível. Talvez fosse esse o momento em que ela estivesse completamente sozinha, pensando apenas no que ela havia se tornado, mas, principalmente, no que ela gostaria de se tornar; nada tão grandioso, apenas rainha do lar, dona da sua própria prataria, da sua própria vassouras, do seu próprio livro de receitas.
Lavando mais e mais, a cada dia, ela cogitava hipóteses. Algumas eram realmente válidas, outras nem tanto. Segredou tudo; era tudo absurdo, um dos grandes dessa vida, onde já se viu, alguém como ela, rainha do lar, certamente diriam. E manteve o segredo tão bem guardado, que ele acabou por integrar-se a ela como uma idéia maluca.
A mão áspera, sem direito a hidratante, sem direito a dor, apenas marcada pelos serviços domésticos. Poderia praticar piano; sempre a acalmou. A pia ainda não estava completamente limpa, tudo era válido, então. Ser senhora de si mesma não pareceu uma idéia ruim, se a patroa podia, porque ela não? Seu sorriso era lindo, ela era linda, mesmo disfarçada de emprega doméstica.
Chegou a última penela, algo não tão imundo, mas sem brilho. Ainda presa a seus pensamentos, demorou o máximo que pôde limpando, e quando já não havia nada mais para limpar, ela se viu refletida no fundo da panela. Ela se fazia brilhar de verdade, espetáculo magnifico. Viu-se como nenhum espelho poderia lhe mostrar, viu-se algo incrivelmente maior, não só de se limitar a panelas sujas. Lembrava sua mãe, tinha a cara truncada e forte.
E foi com a cara truncada e forte que ela voltou aos outros afazeres domésticos.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Enfim, um lixo eletrônico. Talvez eu apague.

Estava ouvindo aquelas palavras dificeis, segurando com a palma da mão o meu queixo, quase dormindo. Eu ouvia, mas ouvia apenas por ter que ouvir, prendido a algo que realmente não me interessava naquele momento. Foi quando eu olhei que na cadeira mais próxima da porta, ele tinha chegado, atrasado, como sempre. Não pude conter a explosão que isso causou dentro do meu peito; respirei aliviado. Eu levantei minhas sobrancelhas e ele retribuiu isso com um sorriso muito mais lindo do que eu poderia descrever. Foi muito mais que uma cena de filme romântico; daquelas que o ator está pedindo desculpas, e a sua senhora desmonta toda etsrutura de fim de namoro com um sorriso inesperado.
Eu esperava aquele sorriso, como quem espera um milagre em dias dificeis. Ele sorriu, e eu continuei olhando, pensando em infinitas coisas mais impossiveis, e montando situações hipotéticas, agindo hipoteticamente, em um futuro que só existia dentro de mim. De repente eu notei que já estava com o olhar naquele sorriso por muito mais tempo que deveria, então, retirei meu olhar, e o coloquei na professora, que nesse momento falva coisas cada vez mais incoeretes. E por mais que eu não quisesse olhar para ele, eu via o sorriso. Eu via um sorriso tão feliz em me ver, que quase não acreditava que poderia ser pra mim. Mas era meu, somente meu, e talvez ninguém tivesse um sorriso tão sincero. Por mais que eu não tivesse nenhum motivo pra sorrir, alguém sorria pra mim; e de repente eu fiquei feliz. Fiquei cada vez mais feliz, e se fosse possivel comparar meu estado de felicidade, eu o definiria em um sublime orgasmo gradativo: cada segundo que passava me trazia mais felicidade. E quando eu pensava que não poderia ficar mais feliz, o fato da felicidade me ter escolhido de uma maneira tão singela, me fazia sorrir mais.Eu realmente achei que poderia escrever sobre isso, mesmo que sendo muito pessoal. Eu já queria falar dele, inclusive, estou sendo absolutamente honesto com todos, de uma vez só. Ele era um segredo, assim como meu sorriso também era. Deixou de ser; agora é de vocês.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Nádia e Roberto - Parte IV

- Querido, você sabe que dia é hoje?
- Sim, terça-feira.
- Eu sei, mas hoje é um dia especial.
- Todos os dias são especiais, querida.
- Roberto, hoje é um dia muitissimo importante para nós, enquanto casal.
- Ah... claro que hoje é um dia muito importante...
- Sim, querido, exatamente. Hoje fazem 15 anos que...
- Isso mesmo, 15 anos! Como o tempo passa rápido né?
- ROBERTO, NÃO ME DIGA QUE VOCÊ ESQUECEU QUE DIA É HOJE?
- Amorzinho! Como você acha que eu esqueceria essa data tão importante?
- Francamente, eu tenho certeza que você não lembra. Claro, os homens nunca se lembram dessas datas.
- Meu amor, você está ficando louca?
- E toda vez é a mesma coisa, agora eu sou a louca...
- Não, amor !!! eu não disse que você era louca, eu só...
- Roberto, você está me chamando de mentirosa?
- Não, amor !!! eu não disse que você era mentirosa, eu só...
- Disse, mas tudo bem, eu estou tranquila, não esqueci.
- Esqueceu o que?
- De hoje, o dia mais importante do mundo para nós dois.
- Mas amor, 15 anos atrás foi o dia mais importante pra mim.
- Erg... mas hoje é tão importante quanto 15 anos atrás.
- Eu não acho.
- Não acha o que?
- Não acho que hope é mais importante que 15 anos atrás.
- Lógico que sim
- Lógico que não
- Porque?
- Porque 15 anos atrás eu tinha meu cabelo grande, e hoje ele é bem curto.
- ROBERTO VOCÊ ME DEIXA LOUCA!
- Olha! Viu? Depois eu e chamo de louca...
- Sinceramente, eu não acredito que você esqueceu.
- Mas eu não esqueci!
- Então que dia é hoje?
- Terça-feira?
- Não é uma terça-feira, meu amor.
- Como assim? Hoje é terça-feira sim senhora, não é garçom?
- É sim senhor, já vão pedir?
- Claro, o de sempre, com aquele detalhe que faz toda a diferença.
- O detalhe que faz toda a diferença será o meu salto na sua testa, seu insensível.
- 15 anos atrás foi uma sexta-feira.
- Lógico que foi.
- E foi uma sexta-feira importante.
- Lógico que sim, mas você não se lembra porque.
- Claro que eu sei!
- Não sabe, pare de mentir.
- Você, por uma acaso, você está me chamando de mentiroso?
- Não amor, eu não quis dizer isso, eu só...
- Então, agora eu estou ficando louco?
- Roberto, MEU QUERIDO, ambos sabemos que você não sabe que dia é hoje!
- Nádia, MEU AMOR, o que você não sabe, é que eu sei sim que dia é hoje!
- Sério? Ai, eu estou tão envergonhada, achei que você tinha se esquecido.
- Eu nunca me esqueceria de uma data tão importante.
- Muito importante mesmo Roberto.
- É!
- É mesmo.
- E eu nem tenho palavras pra descrever o quanto feliz eu estou.
- Roberto, que dia é hoje?
- Terça-feira?
- SEU MENTIROSO, VOCÊ NÃO PRESTA! EU NUNCA VOU TE PERDOAR!
- Mas eu não esqueci...
- Que dia é hoje meu amor?
- Tá, eu esqueci... mas me perdoa, eu ando tão cansado, você me faz feliz demais...
- Roberto, hoje fazem 15 anos que nós demos o nosso primeiro beijo!
- Sério? Amor...
- VOCÊ É UM CALHORDA, UM IMBECIL, EU NUNCA MAIS QUERO..
- Amor...
- NÃO! VOCÊ NÃO VAI ESCAPAR DESSA TÃO FÁCIL.
- Amor... não é na semana que vem?

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Ela era assim.

Eu era infinitamente mais sensível que ela, mas em compensação ela sabia maltratar todo mundo, principalmente a mim, com aquele olhar fixo de quem prever o futuro. Eu nunca a vi chorar, acho inclusive que ela nunca chorou, já eu choro por tudo, mesmo quando não devo. Eramos crianças, totalmente inocentes e sinceros. Quando lembramos o que falavamos um ao outro, perdoamo-nos por tudo, mas lá no fundo sabemos que esse perdão é mais falso que aquela felicidade fingida quando ela soube que eu tirei uma nota maior em Português. Eu era tudo o que ela queria ser, e eu queria ser tudo o que ela mais detestava nela mesma.
Ela quebrou meu boneco favorito, e eu chorei em frente àqueles olhos malígnos. Ela consegiu me fazer inferior, e sempre que olho pra ela eu vejo o corpo dele sem o braço direito. A mãe dela comprou outro boneco exatamente igual ao meu. Eu recebi das mãos crueis daquela garota chata um novo boneco com um novo braço, mas apenas porque minha mãe me obrigou. Ela foi a primeira mulher que tentou substituir algo que era meu, por alguma coisa que já me pertencia, mas que mesmo tempo não era minha e que também me fez chorar compulsivamente.
Planejei a maior vingança que minha bondade poderia construir. Eu escondi o io-iô preferido dela, apenas pra dar um susto e fazê-la chorar na minha frente, exatamente como ela havia feito comigo; eu ia devolvê-lo no momento em que eu visse as lagrimas caindo, mas a lágrima não caiu. Eu tive que ver a tristeza estampada em seu rosto, que não tinha maldade nenhuma; ao invés disso, tinha uma expressão angelical que me fazia sentir um monstro. Foi quando eu aprendi que eu nunca seria malvado, porque sou demasiadamente apático e justo, mas que de alguma forma era necessário.
A partir desse momento em que eu queria tanto fazê-la sofrer, eu virei o próprio sofredor. Cada vez que eu queria atingí-la de qualquer forma, ela me ensinava pelo caminho mais dificil que ela sempre seria muito maior do que eu poderia imaginar. Quanto mais forte ela ficava, mais eu me sentia inferior. Ela estava salva em uma espécie de bolha, e eu estava completamente vulnerável a tudo. O que ela determinava era decreto, e mesmo eu querendo infligir as regras, algo dentro de mim me precavia dos perigosos possíveis.
Em um belo dia de chuva ela se mudou, soube da noticia por uma das professoras de Português . Curiosade ou não, choveu por muito tempo. Ela foi embora e sugou toda a alegria do dia, das nuvens fofas e brancas, do cheiro de terra seca. Choveu por muito tempo mesmo, e eu acostumei a ficar dentro de casa, pensando nela. As gotas d’água caiam e eu não entendia por que eu fiquei tão vazio depois que ela foi embora. As gotas d´água continuaram caindo, e eu continuei pensando naquela vez em que eu quase fiz ela passar a maior vergonha da sua vida. As gotas d´água continuaram caindo, e eu continuei pensando como ela era bonita e em como eu tinha ficado infeliz sem ela. As gotas d’água continuaram caindo e, enfim, eu chorei por alguém que não se lembrava mais de mim.
Em uma aula de Matemática ela apareceu, e pra variar, eu, escondido na útilma carteira da ponta esquerda, aquela que fica perto da tartaruga que ela deu à escola, chorei. Mas dessa vez, de tão escondido que eu estava, ela não me viu. Mas eu a vi; e ela me procurava com seus olhos de maldade. Apenas quando ela não me achou, eu pude ver que uma lágrima caiu como um meteoro desgovernado. Permaneci sentado, sem crer no que via. No recreio, eu apareci e ofereci metade do meu misto quente. Ela ficou feliz de verdade com a minha atitude. Quando eu perguntei se ela tinha chorado, ela disse: foi só um cisco. E me deu um beijo na testa.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Fome do mundo.

Eu tinha toda essa ilusão que somente a comida me faria bem. Então, comia com tanta vontade, com tanta verdade, que eu tinha toda a fome do mundo. Dentre as minhas lanchonetes favoritas, tinha esta, que servia um tipo único de salgado; o mais delicioso que eu comi em toda a minha vida. Nos tempos negros, chegava com tanta vontade de comer, que não saberia distinguir isso da fome. Por isso eu tive, durante algum tempo, a pior fome do mundo.
Eu comia demais, e não me sastifazia com facilidade. Eu culpava o mundo da minha fome inexplicável, sem saber que eu era o culpado. Os efeitos da minha fome iam além da minha imaginação; a única coisa que me sastifazia era o salgado daquela lanchonete. Poderia falar de como ele é delicioso, mas eu sei que eu nunca vou conseguir explicar algo tão especial pra mim, e mesmo que tente, o sabor não ficará igual.
Foi nessa fome do mundo, e em um período de grandes crises, que eu fui à lanchonete, comer meu pecado feliz. E lá estava ele relusente, dentro da estufa, esperando apenas por mim, no seu direito de servir aos famintos, e eu faminto, no direito de integrá-lo a mim. O salgado co-existia dentro de mim, me fazendo uma pessoa mais feliz a cada dia. E eu me pergunto: o que dele ainda existe dentro de mim?
Todas aquelas vezes em que fui àquele lugar, tão faminto de tudo, esqueci de olhar pra mim, do lado de fora: estava mais gordo. Mas isso não era o problema real; eu continuava com toda fome. Eu já me desesperava, e quanto mais fome me dava, mais eu comia, e quanto mais eu queria comer, mais me dava fome. Foi então, que já triste comigo, fui a lanchonete, satisfazer minha fome infinita. Foi a última vez que eu fui àquele lugar.
Quando eu já estava sentado à mesa, quase com o salgado na boca, um mendigo deplorável parou no lado de fora e pediu um pedaço do meu salgado. Eu, com toda a fome do mundo, fiquei olhando ele por um tempo, ainda com a boca aberta, pronto pra comer tudo aquilo. O homem, somente ele, tinha tanta mais fome insesiável que eu. Eu, ambicioso e egoísta, olhei em seus olhos e disse: não.
Não sei como pude. Não sei como fiz. Sei que a partir daquele momento, eu não tive toda a fome do mundo nunca mais.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Eu nunca quebrei a perna.

Que tipo de pessoa precisa tão desesperadamente quebrar a perna pra chamar atenção? Talvez eu, no meu sonho impossível de ter atenção da família e a perna com nomes dos amigos do jardim de infância. Se eu ainda não quebrei a perna, como vou poderei dizer que senti dor? Eu não guardo histórias de quedas de bicicleta, porque meu pai quis me ensinar, mas eu nunca aprendi; eu sempre caia e fazia muito drama. Um dia ele vendeu minha bicicleta; mal sabia ele que vendeu junto com ela os meus sonhos infantis. Só aprendi efetivamente a andar sobre duas rodas quando um amigo, o melhor e mais bem determinado que eu tenho, admitiu que eu não poderia deixar de sentir a liberdade à duas rodas. Mesmo eu atropelando todo mundo, inclusive ele, inclusive os próprios ciclistas, mesmo quando eu praticava na calçada, mesmo assim, atropelando tudo que se movia, eu aprendi. Demorou 14 anos. Quando os meus colegas quebravam a perna, eu nunca assinava. Exceção da Annabelle, minha melhor amiga do jardim. Ela não sabia andar de bicicleta, mas tinha uma bicicleta com cestinha rósea. Juntos, formávamos um belo par. Enquanto alguns gastavam a pintura, empenavam as rodas e furavam os pneus, nossas bicicletas reinavam juntas. Tínhamos rodinhas, e isso era a coisa mais incrível que poderia acontecer. Annabelle e eu perdemos nossas rodas, e depois as bicicletas foram substituídas por outras brincadeiras menos perigosas. Queria saber se Annabelle aprendeu a andar de bicicleta; não nos falamos desde a 5ª série, quando ela começou a me achar esquisito. Quando meu pai tirou as rodas, as minhas rodas, eu pude usar o freio pela primeira vez. Mas não usei; nunca gostei, nunca soube o momento certo de parar. Todos os meus erros são por falta de freio na hora certa ou por freios antecipados. Como poderei usar o freio, se toda vez que eu penso em usá-lo eu sou arremessado pra frente, e atropelado por minha própria bicicleta; tudo isso por que eu sempre pedalo muito rápido, por tudo. Por saber andar sobre rodas, eu virei uma bicicleta, que no inicio era muito bonita e simpática. Devido a minha pressa de viver hoje, eu sou uma bicicleta sem rodinhas, sem freio, sem rumo, sem pintura, sem controle e com medo da dor. Sei que um dia eu vou bater em alguma coisa. Às vezes eu me pergunto, mesmo já sabendo a resposta, por que demorou tanto pra isso tudo acontecer. Eu mesmo aprendi que viver dói, e que eu tenho medo da dor. Aprendi a fazer tudo sem sofrer, e se sofrer, sempre o mínimo. Mesmo que demore, mesmo com tudo. Saber que eu não vou sofrer me dá forças, mas também me torna covarde. É por isso que eu me acho tão bom demais pra nunca estar errado. É por estar errado o tempo todo, que eu finjo tão bem estar certo, e todos acreditam. Inclusive eu. Por mais que eu ame meu pai, sei que a culpa é dele – também sei que estou errado. O meu medo de viver, a minha perna saudável, esse texto; é responsabilidade dele. Sou tão parecido com ele, que talvez ele ainda não tenha quebrado a perna. Meu velho me deu tanta coisa nessa vida e retirou tanta coisa que eu, de fato, não precisava. As rodinhas da minha bicicleta azul, por exemplo. Ensinou a nunca cair e a fazer tudo no dia certo, com calma, sem erros. E se um dia eu conseguir ser um herói para o meu filho, não vou ensiná-lo a andar de bicicleta.
Mas se ele me pedir, eu farei. E se ele quebrar a perna serei o primeiro a assinar sua perna.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O dia do finado:

Ontem foi o dia dos finados e eu fui, inocente, ao Shopping. Me esqueci de celebrar o finado-eu, que morreu em algum tempo do passado. Não sinto a mínima saudade dele. O que eu era hoje não me cativa, não me faz falta e não me implica relevância. Só me sinto incomodado em saber que em algum lugar de dentro de mim, aquela pessoa inocente morreu e nem teve a chance de viver. Eu não vou me velar no dia em que posso ir ao Shopping, gastar dinheiro e ter a diversão sincera que qualquer finado queria ter. Não vou desperdiçar tempo com alguém que está mais que feliz por estar morto. Deixa ele descansar em paz no fim do mundo, de onde eu sai, e pra onde várias vezes eu tentei voltar, sem êxito. Eu fui ver filme, e senti a falta de uma mão pra eu apertar quando os sustos chegaram. Eu fui ver filme, e senti a falta de um ombro pra esconder a minha falsa cara de medo. Eu fui ver filme, mas eu senti medo de sentar sozinho e estar cercado de gente que também estava sozinha, e que fingia estar acompanhada. Eu fui ver filme, mas eu me senti mal, por não ter ido antes comigo mesmo. Pois eu estava lá, mas me ignorei e morri. Não me sentia a vontade sabendo que dentro de mim, alguém não teve a chance de ser feliz. Foi então quando o filme acabou e eu permaneci olhando para as poltronas, imaginando quantas pessoas que morreram sentaram nelas; e quantas delas riram nas comédias, choraram nos dramas, e sentiram o medo dos filmes de terror, exatamente como eu fizera momentos antes. Me lembrei do dia da minha morte. Acontecera anos atrás; e o mais estranho de tudo, é que eu morri exatamente naquela sala de cinema, na última cadeira da direita e que por algum motivo, eu estava lá, quase morrendo de saudades de mim, discretamente chorando, me maldizendo por deixar-me morrer tão rapidamente. Em luto, eu permanecia sentado ali. Aquela cadeira tornara-se meu túmulo silencioso e por apenas um dia de domingo todo aquele Shopping se transformava-se o meu cemitério.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Omissão

Esse domingo chegou na tarde mais acolhedora possível. As antigas memórias tristes de um momento qualquer do passado simplesmente brotaram em mim, como por magia; vieram me torturar. Naquele passado fácil, que lembro julgar difícil em outras circunstâncias, eu costumava ser tão mais eu mesmo, que hoje, sendo torturado por essa presença incômoda, sinto estar em tamanha melancolia. Como tudo era mais fácil, como eu mesmo costumava ser mais fácil. Chego até a me surpreender e sentir saudade de todos os meus problemas.
Saudade essa que nem mesmo eu entendi ainda; meus antigos problemas, alguns insolúveis perante o tempo, até que eram convenientes para a dada época. Hoje eu sei que tudo não poderia ser mais fácil; é como o seu filme favorito: por mais vezes que você veja, sempre vai chorar nas mesmas cenas ou rir dos mesmos acontecimentos trágicos.
Pois agora, as cenas e as tragédias se repetem dessa vez com muito mais intensidade. Meu filme favorito ainda não teve final; poderia ter, mas eu fiz questão de viver as mesmas cenas, rir das mesmas coisas, chorar pelos mesmos motivos, odiar tudo do mesmo jeito... Estou me omitindo de mim mesmo. Talvez a única coisa que não omita jamais, será esse domingo acolhedor, que me deu um pouco de vida sem pedir nada em troca. Às vezes a minha omissão é benéfica; a maioria das vezes. Por tudo isso, me imitindo de tudo, ou de todos, encaro mais um problema, que ainda não sei o quão consistente poderá vir a ser. E o fato de omiti-lo já começa a apresentar os primeiros obstáculos. O simples fato de omissão, o replay do meu filme, me consumirá e me levará a outros possíveis problemas.
Entretanto, o modo simples de como me lembrei desse meu passado distante, me roubou um sorriso breve. Um sorriso que chegou rápido e quente e se foi, expulso de dentro de mim, por mim mesmo, apenas por não apresentar uma boa razão de existir.
As nuvens desse fim de tarde estão me convidando a sorrir; não somente as nuvens, como também as cigarras cantantes e a paz reinante de balanço da rede. Por ser viável, e por também ser de bom-tom, o sorriso distante do passado feliz e triste que tive, voltou.
Agora, tendo um bom motivo pra sorrir, e com problemas repetidos, estou sob a luz do sol quase se pondo, pensando em quem fui e em quem sou. Sob essa mesma luz, que em um passado passou despercebida, escuto de longe o sino do contentamento. Estou contente, pela primeira vez. Tudo aquilo que antes me incomodava, que era incerto e duvidoso, deixou de ter razão de vida. E todos os meus problemas desse presente sem futuro, deixaram de viver, apenas porque não tinham motivos suficientes para não me fazer escutar mais os sinos.
Um dia fui feliz. Feliz é muito mais que contente. Mas isso já faz algum tempo. As indagações pessoais, que hoje me são úteis, naquele tempo não existiam; mas não por não terem motivos, apenas não existia. Os sorrisos que eu dava eram quentes e sem motivos. Hoje eles não existem mais, moram apenas na minha memória de domingo. Naquele mundo enfraquecido só existia uma coisa: Uma oferta; a de não sorrir sem omissão

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Monstros Inocentes

Quando vi Aquiles pela primeira vez, ele estava parado no mundo. Jamais imaginei que ele, que era tão bonito, negaria a própria felicidade por motivos tão insuficientes. Desde esse dia corriqueiro, então, os sorrisos desapareceram por completo da sua face rubra: havia enfim se convertido em monstro.O monstro do qual eu falo são os terrestres. Não são abomináveis ou terríveis, muito menos são feios ou assustadores; ao contrário, são inclusive mais charmosos que os próprios seres humanos. Talvez seja esse o motivo de terem o perfeito contraste de beleza e perigo. De tão belos, são facilmente o motivo de infelicidade geral, diferem das pessoas apenas por negarem a elas os sorrisos e no seu lugar impor as lágrimas. São também carinhos e dóceis, por isso monstros.Voltemos a Aquiles, parado em seu mundo, esperando a condução que o levaria à sua tortura diária. Se hoje se converteu em monstro fora por causa dos acontecimentos do dia de ontem. Algo tão patético, ao mesmo tempo tão profundo e banal, o fizera virar essa aberração. Sem forças era obrigado a viver.Foi quando a vida o fez encontrar a borboleta; foi amor a primeira vista. A borboleta cortava o céu com suas asinhas tão frágeis, com sua simpatia gratuita e com o gracejo de sua sabedoria. A visão pálida de monstro inocente viu aquelas asas pairarem sobre uma coluna azul, perto de seu ombro direito. Toda aquela cena incomodava o monstro, que sem saber já não era mais monstro.Durante o tempo em que a borboleta dançou para aquele ser difuso, durante esse inefável momento, ele fora rei do mundo, sendo ao mesmo tempo servo e escravo daquele ser tão pequenino, que já calava o seu grito mais profundo. Pensando apenas no passageiro amor que já sentia, pouco a pouco, a sua mascara humana também caia, e para a sua total surpresa já não era mais monstro ou gente ou qualquer outra coisa: era apenas ele.A borboleta se foi e essa história não tem um final.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Tic Tac

Sempre fora assim: na falta do que fazer, ela observava atenta o ponteiro do relógio. Esperava pelo mesmo segundo, repetidamente, almejando algo novo, sem saber se era mesmo o que ela queria. Alimentava dentro de si às suas ilusões com o tempo corriqueiro. Desejava ser alguém importante no seu futuro distante. Então o tempo passava. O balanço suave e insistente do velho cuco, na sala comunal, cenário de várias fases de sua vida, nunca mudava. Sentada na nova poltrona confortabilíssima, de origem desconhecida, via de uma outra perspectiva a sua incapacibilidade de controlar o tempo ou manipular os fatos; poderia ficar ali, inepta, quase morrendo, mexendo apenas os olhos encharcados de medos e duvidas, anunciando o nada. O tempo passava e nada ocorria. Sentada, ainda que presa à sala sentia-se livre e capaz de voar no mais difícil pensamento. Pensava em coisas impossíveis, em coisas fáceis, no próprio tempo. Seu pensamento só era interrompido pelo tic-tac insistente do relógio, pelo barulho instagnante do silêncio e da paz que a cercava. Os segundos fazia dos minutos algo livre. Os minutos livres fazia das horas nada mais que um atraso. As horas atrasadas diziam dos dias algo triste. E os dias tristes fazia dos anos apenas algo contável. Tão contável, que nesse momento ela observava os segundos tristes de um belo cuco. Anos mais tarde, quando já era adulta já tinha tudo o que mais almejava, voltou à sala comunal. O belo cuco permanecia no mesmo local, contando o tempo. Sentou-se novamente na velha poltrona, e, parada, por mais uma vez a contagem dos segundos lhe roubava atenção. Era esse o seu melhor tempo, indubitavelmente. Encarou o cuco e desejou manter-se pra sempre naquele tempo agradável, onde todos os sonhos começavam a se realizar. Em um ato displicente, travou as horas do cuco.
Quando já era velha demais, e a poltrona antiga e empoeirada precisava ser trocada, voltou à casa. O relógio parado, não contava mais nada, assim como ela. Era apenas uma perda de tempo. Ela também estava quebrada, como o cuco. Cansada e sentada na poltrona, lembrando das suas últimas lembranças, constatou: morrera no dia em que o relógio parou.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Seguindo pessoas...

Segunda-feira deplorável e a mesma rotina: cursinho, estágio e alguma diversão não-particular. E assim será; sem nenhuma novidade ou nenhum motivo suficientemente forte para alterar a ordem irritante dos fatos. Nesse momento, sigo pessoas. Um homem e uma mulher, para ser o mais exato possível. Pessoas normais, apenas com uma rotina diferente da minha. São bonitas e andam com certa classe, a mesma classe de quem anda pelo caminho inefável da felicidade. Engraçado, no caminho da felicidade eu nunca andarei. Não andaria, mas hipoteticamente, se andasse, seria com o mínimo de classe o máximo de desespero. Pois lá estavam, com toda classe necessária e calma; nada de exageros. O homem e a mulher, poucos passos adiante a mim, trajando o mesmo caminho, com seus passos demasiadamente certos. Poderia eu, ter passado à frente, e ter dado as minhas costas, fazendo com que toda aquela classe que me irrita não alcance mais o meu olhar, meu pensamento e minha atenção. Poderia sim, submeter-lhes a toda a pressa do meu passo rápido e confuso, do meu caminho diário e atrasado; mas não fiz. Durante algum tempo, pouco tempo, os segui pelo meu caminho. Tecnicamente eles me seguiram, já que o caminho é meu e da minha rotina; sempre ando por aquelas ruas, nos mesmos dias cansativos. Cumpro rigorosamente, nos mesmos atrasos e nos mesmos anseios e medos daquele caminho viciante, temendo encontrar algo novo, com meu passo lento e pensativo. Então não os segui, eles me seguiram, mesmo eu caminhando atrás do casal; estava apenas atrasado, como sempre. A diferença básica de tudo aquilo era a diferença entre os passos. Os seus passos calmos é apenas uma questão de tempo. Quem saberá se algum dia eu, no momento mais que atrasado de um futuro, estaria lá, trajando o mesmo caminho, na mesma rotina entediante e diária, com os mesmo passos calmos que via na minha frente. Um dia, possivelmente, o casal deve ter andando pelo mesmo caminho da minha vida, da minha vida, invejando os passos de um outro casal mais calmo, e assim por todos os tempos. Andava mais sossegado, agora que tinha a certeza de que algum dia estaria mais seguro dos meus próprios passos. Era o bastante para me fazer parar e andar com mais calma. Acomodar-me às minhas circunstâncias, sabendo que no final tudo daria certo.Chegamos a um cruzamento e o casal dobrou. Deveria os seguir, mas isso seria quebrar demais a minha rotina.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Há algum título?

Sempre escolhendo as mesmas palavras e cometendo os mesmos erros de grafia. Essa é a sua vida: vira e mexe ele se pega pensando na mesma pessoa. Até preferia que seus pensamentos fossem vigiados e censurados. Deveria ser preso por cometar o pior crime, que não é matar ou roubar; é pensar. Pensar em que não pensa nele . Lembrar de que não o lembra. Até mesmo chorar. Nosso personagem está machucado. A dor é intensa, e nem mesmo ele sabe da onde veio. Veio e não foi. Continua lá e todos sabemos que por mais forte que ele pareça, está completamente destruído. E não há um amigo pra lhe erguer a mão. Porque se houvesse, ele estaria incomodando com o mesmo assunto de sempre. Cai um lágrima, talvez a última antes de uma promessa: nunca se prestar a papel tão ridiculo novamente. É, com certeza, vergonhoso passar pela dor humana. Decidiu não amar mais ninguém, virar um ser sem coração. Esquecer das famosas borbolates no estômago. Viver morrer, sem sentimento. É uma escolha. Foi ao banheiro, com as últimas forças que tinha. Abriu a torneira e observou a água cair. Era isso: nunca acabava. Água pra sempre, caindo. Enxeu as mãos e deixou transbordar. Cai água, cái aqui. Mais água, mais lágrimas. E o sabão? Desperdiçou também. Usou mais do que poderia e devia. Lavou o rosto vermelho. Mesmo usando muito sabão, ainda sobrava. Quem sabe mais uma vez e esse sabão acaba. E mais água pra lavar o sabão. E as mãos escorregadas e mais uma lágrima. E é isso. Secou as mãos e morreu. Morreu por opção. Não teve uma morte honrosa como os grandes guerreiros. Morreu por fraqueza. Morreu por amar. E agora? Estava morto, mas que diferença isso faz? Alguém ligou, ele não atendeu. Alguém chamou a porta, mas não recebeu. Estava morto, e nós com isso? Não comentem, isso é um pedido.

sábado, 6 de setembro de 2008

Homens

Está tão cansado dele mesmo, que surpreendeu a todos, inclusive a si, por ainda não ter se matado. Era um garoto jovem de coração aberto, louco para encontrar alguma aventura. Mudou várias vezes, por várias pessoas e todos diziam que ele era perfeito. Perfeito demais, talvez fosse esse seu defeito. Não era digno de pena; apenas de um segundo olhar atencioso. Esse olhar transformaria qualquer dor que já havia sentido em algum sentimento bom. Sentimentos bons eram cultivados por ele, no jardim que tinha dentro de seu peito. Era um ótimo jardineiro, mas por algum motivo inexplicável, nenhuma flor que plantava vivia por muito tempo. Martirizava-se então por não ser o mais habilidoso de todos.
Era um pobre coitado. Mais um idiota nesse mundo que se apaixona facilmente e chora quando vê que a pessoa que ama não dá a mínima para ele. Os olhares que se fixam neles são apenas os olhares de amizade, não os de amor. Os próprios amigos costumam dizer que ele é uma das pessoas mais interessante, inteligente e bonita que tiveram o prazer de conhecer. Tudo isso era mentira, ele sabia.
E nossa história só tem valor quando a gente observa o garoto preso em uma jaula. Todos estão olhando o sofrimento daquele bicho e por mais doloroso que possa parecer, ele nunca estará livre da jaula. Será um eterno apaixonado, seja lá o que isso quer dizer. Infere-se que um dia ele vai se matar, pois nesse momento, odeia tudo e ama apenas uma pessoa. E todo esse amor, o consumirá, mais uma vez. E toda a dor que bate ardente no peito, o consumirá, mais uma vez. E mais um texto que escrevo, me consumirá, mais uma vez.

sábado, 23 de agosto de 2008

Somente um ninguém importante.

Ali, em frente a porta, não havia apenas um homem cansado e confuso. Havia também uma nova pessoa, que desistiu de mulher e filhos. Desistiu da sua vida certa, em nome do tal amor. Havia também um homem não muito feliz, que chorava a noite por uma outra mulher.
Frente a porta havia um homem, não anunciado pelo porteiro, amigo de grande ultilidade. O homem estava parado, ainda descrente de sua nova situação. Recuperava o fôlego e decidia o que seria da sua vida no próximo segundo. O que seria de si mesmo, já que nunca fora consistente o bastante para decidir algo. Era tudo novo: inclusive ele. Havia um homem, nada mais que isso, exceto os lírios que ele mesmo colhera para a amada. Indagava-se sobre muitas coisas, uma delas se estava agindo certo.
Frente ao homem havia uma porta burra e irracional. O último obstáculo qu o separava de uma nova vida. Era ela, a porta, o que faltava. Depois de uma vida de horrores e negações, estava ele lá, esperando algum sinal. Era a porta, somente ela. O mais fácil de todos os desafios vividos ultimamente. O mais simples e o que mais lhe tomou a respiração. Ofegava, sem saber o que fazer.
Ouviu vozes.
Ali, em frente ao homem. Dentro do apartamente de luxo da senhora que o encantou, havia um outro ser. Era um outro homem, que já havia cruzado a porta. Era isso então, o medo, a decepção, o adeus. Antes sua vida estava esbanjando insolitez e nada tinha sentido. Agora, era tudo um nada.
Havia a porta, um homem e alguins lírios, que mucharam. Também havia um cartão escrito à próprio punho. Soltou os lírios murchos e foi, pra nunca mais voltar. Deixou sua nova vida pra trás. Ainda pensou em voltar, mas as vozes o ofendiam. Sentiu a pior raiva do mundo.
Chorou. Chorou novamente, desesperado. Uma lágrima quente caiu-lhe a face traida. Seu nariz avermelhou de tal modo, que nem mesmo um tomate seria mais vermelho. Não tinha mais os controle das pernas. Tombou, ali mesmo no elevador, enquanto gemia de dor. Era isso então: mais nada.
Foi-se. Para onde nem ele mesmo saberia dizer. Deixou a escolha pro destino, rumou em alta velocidade pra não se sabe onde. Um bar lhe sorriu e ele entendeu o sinal: enxer a cara, novamente.
Sentou-se e lá ficou. Bebeu tudo, até mesmo o que não devia. Estava drogado. Mulheres riam, comemoravam. Provavelmente eram mais uma daquelas desesperadas que ninguém atura. Mais risadas para um homem que não mais quer rir e mais bebida, pra um ninguém importante, que pagava por seu torpor.
Já não pensava. Vira e mexe se lembrava do seu nome, mas tudo fugia no segundo seguinte. o que seria daquele pobre homem, que não estava mais lúcido. As mulheres riam cada vez mais alto. Ele entendeu mais um sinal: era dele que estavam rindo. Algum escândalo começou, mas tudo foi impedido pelo dono do bar, já acostumado com os corriqueiros acidentes dos sábados.
Foi jogado pra fora. Expulso pela segunda vez. Entrou no carro e deitou. Quem era ele, afinal de contas, ninguém saberia dizer. Ligou o carro e esperou mais uma chamada do destino. Dirigiu embreagado e ligou para a amada. Disse algumas inverdades, ofendeu quem ama e desligou. Não obstante, ligou novamente e disse mais algumas coisas.
Ela comaçava a explicar que o homem que estava na sua casa era o seu irmão. Antes que podesse desculpar-se pelo erro um caminhão desviou sua rota, desviando o carro do bêbado. Capotou três vezes e morreu. Mas não fez diferença nenhuma, pois já estava morto mesmo. Somente alguém importante.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Parte três: Nádia e Roberto.

- Amor a pizza chegou.
- É eu escutei a campainha.
- Tá esfriando.
- É eu sei, pega lá.
- Mas amor eu to vendo o jogo.
- E eu estou pondo a mesa. Roberto, você poderia, por gentileza, pegar a pizza pra mim?
- Querida, tá no final e eu...
- Agora!
- Mas o Davilson tá quase.
- Roberto, eu juro que se vc não levantar sua bunda do sofá eu acerto esse prato na sua cabeça.
- Amor, o prato doi.
- É, eu sei, vai ou não?
- Tá bom querida, onde está o dinheiro?
- Na sua carteira, óbvio!
- Eu que vou pagar?!
- É lógico.
- Mas eu paguei a conta do almoço de ontem!
- Roberrrrtô...
- Tá bom querida, deixa que eu pago, sempre eu que paga mesmo.
- Tá bom, eu pago seu mão-de-vaca. A Lisa que tem razão.
- Eu não sou mão-de-vaca e a Lisa não é paga pra ter razão.
- Fica aí vendo o Davison fazer o gol do milênio, eu pago a pizza.
- Querida, larga o prato que eu vou.
- Ah! O prato, toma aqui ó!
- Seu louca, esse prato foi presente...
- Ai meu deus! Eu te odeio sabia? Você é tão... Oi, tudo bem? Quanto é?
- R$17,25 mais gorjeta.
- Aqui meu filho, pode ficar com o troco.
- Amor, pra que tantos talheres?
- Talhares são ultilizados em refeições querido, você não sabia disso?
- Ah não... você não espera que eu coma pizza com talheres, né?
- Lógico que sim.
- Mas amor...
- Ah tá, você não espera que eu coma com as minhas mãos?
- Deixa pra lá, vou lavar as minhas mãos.
- Roberto, que feio. Que coisa de criança, olhe só você.
- É não amor, é lindo! Liberdade U-hu!
- Roberto!
- Nádia! Liberdade!
- Isso não tem graça.
- Claro que tem, pizza só tem graça quando comemos com a mão!
- Eu não vou comer.
- Come! O gosto é bem melhor. Eu garanto.
- Roberto!
- Nádia, querida!
- Você sempre come com a mão?
- Sempre comi sim.
- Então como sabe que é melhor?
- Porque... Porque...
- Te peguei! Coma de talheres, que eu como com as mãos.
- Tudo certo então, lave suas mãos.
- Roberto o que eu não faço por você hein?
- De que é a pizza querida?
- Peperonni, sua favorita.
- Noooossa, tem certeza que eu não posso comer com as mãos?
- É a condição amor.
- Odeio esses sachês de maionese.
- Porque?
- Porque? Nunca consigo abri-los.
- Me dê aqui, deixa eu tentar.
- Mas você não vai conseguir.
- Claro que vou, um simples sachê não pode parar Nádia!
- Dúvido você abrir!
- Quer apostar?
- Lógico! Só não pode usar a faca.
- Fechado! Quanto?
- Vintão.
- Fechado. vão ser os 20 reais mais fáceis de toda a minha vida.
- Quero só ver
- É só eu encaixar os dedos assim...
- Assim é?
- É que tá um pouco dificil...
- Dificil é?
- E eu não tenho forças nos dedos.
- Não consegue npe?
- Consigo sim, questão de honra.
- Honra?
- É sim.
- Você não consegue.
- Eu tô quase lá.
- Amor...
- Roberto, me deixa.
- Amor...
- Roberto!
- Nádia!
- O que é?
- Eu te amo.
-
-Vamos comer?
- Podemos comer sem talheres se você quiser.
- Podemos comer com talheres se você quiser.
- Deixa que eu mesmo abro a maionese.
- Odeio maionese.
- Desde quando?
- Desde agora. Nunca mais como maionese na minha vida.
- É só uma questão de técnica.
- Dúvido que você não consegue!
- Aposta mais vintão?
- Vintão!
- Consegui, sem a boca.
- Nossa, vou odiar sachês de tudo agora, pra sempre.
- Vamos ver na frente da Televisão?
- Roberto, o jogo de novo?
- Não amor, seu filme favorito vai começar agora.
- Rios de Lágrimas?
- Isso amor.
- Vamos.

domingo, 17 de agosto de 2008

O soldado da noite

Decidiu, for fim, passar a madrugada fora, ainda não sabendo qual seria seu destino. Tomou seu banho, escutando os ritmos do banheiro de seu novo apartamento e arrisocu algumas notas desafinadas, de um sonho antigo de ser cantor. Enquanto escolhia sua roupa favorita, que não era a mais bonita, pensou aonde iria. Talvez em alguns daqueles lugares novos, com pessoas interessantes. Talvez um ambiente inóspito, desconhecido e sujo. Talvez os dois, afinal de contas, a madrugada era grande demais. Olhou-se no espelho e viu em si um soldado. Um daqueles guerreiros anônimos, que sempre são imporantes, mas quase nunca são lembrados. Mais um soldado da noite, como outros tantos pela cidade. Estava vestido pro combate e com fome.
Abriu a geladeira e durante alguns segundos fixou seus olhos azuis, os olhos mais lindos que o dinheiro pode comprar, na luz amarela de sua geladeira, último modelo. Deixou seu instinto guiá-lo. Gostava dos vários prato que haviam ali dentro, mas nada o fez morder os lábios de vontade. Ainda com os olhos fixos na luz amarela, pediu algum conselho; como quem tem um mentor espiritual. Achou, dentro de si, com a ajuda da luz, a resposta: bolo. Porque, raios, em um mundo de comidas deliciosas, em um mundo onde se tem tudo, menos o pobre bolo, queria ele comer algo diferente? Era típico dele querer o que não se tem no momento. Sastifazeria ele, comendo qualquer outra delícia, mas por fim, optou pelo bolo. Mesmo não havendo bolo na geladeira, decidiu perder algum tempo comprando mais um de seus desejos momentâneos.
Onde estavam as chaves? Procurou em todos os lugares, até mesmo nos menos improváveis. Sem as chaves, perderia mais tempo andando atrás de sua vontade incontrolável de comer bolo. E sem o bolo, a madrugada não faria sentido. Cansado de olhar várias vezes em todos os lugares, e de pedir aos santos que devolvessem as chaves do carro, decidiu ir para algum desses mercados novos que vendem de tudo.
Não contava ele que o mercado mais proximo, não era tão próximo. A distância e a preguiça o consumiam. Cansava, apenas de imaginar-se andando a noite, sozinho. Andou cansado e cansou de andar. Enquanto andava ao quartel-bolo, tentou lembrar qual seria a última vez que andou tanto. A vida o presentiou com todo o sucesso que quis quando era jovem. Nos seus melhores tempos caminhando para a faculdade. Caminhar, por mais longa que fosse a estrada, nunca o cansava. Esforçou-se para ter tudo o que tinha. Seu esforço foi válido, passou em um concurso público e hoje esbanja dinheiro e poder. Também pensava aonde as chaves poderiam ter se escondido.
Enfim, após algum esforço nas pernas, chegou ao supermercado. Sacou algum dinheiro confuso, fruto de uma trabalho desgastante e dirigiu-se a padaria do supermercado. Viu muitos bolos, dos mais variados tipos. Alguns com frutas, outros confeitados. Sentiu-se triste com tantas opções. Odiava opções, do fundo co coração. Sempre foi horrivel fazendo escolhas. A vida é feita de escolhas, e ele fez questão de escolher tudo errado. Não se sentia feliz, mesmo achando que a escolha mais racional o traria a felicidade. Não quis escolher, deixou o trabalho sujo para a atendende, que sorria para ele, de um modo forçado, denunciando ser aquela, a norma da empresa. Não importava qual seria a escolha da moça, seu dinheiro destastante, fruto de um trabalho confuso, poderia comprar qualquer bolo. O seu dinheiro poderia comprar todos.
Com o bolo em mãos, foi a fila do caixa. Lá havia uma outra moça, que não sorria. Era rápida, educada e nada mais que isso. Uma boa caixa, que não seguia as normas da empresa. A quebra-regras disse algum valor. Ao tirar a carteira do bolso, deixou cair algo alienígena no chão. Viu, mas não quis acreditar no que viu. Era típico dele querer olhar antes de acreditar. Mesmo olhando, não acreditou. Eram as chaves. Estiveram alí, no bolso do soldado, habitando em segredo. As coisas mais simples eram sempre esquecidas por ele. Perguntou-se quantas vezes esqueceu a chave do carro dentro do bolso e quantas vezes teve sempre que fazer uma árdua caminhada, na sua vida cheia de escolhas frustradas e erradas. A moça dizia novamente o valor da mercadoria. O soldado lhe deu alguma nova nota e recebeu de troco algumas moedas e notas sujas. As notas estavam sujas, mas um dia já foram novas. Talvez até passaram pelas suas mãos, em alguma outra ocasião. Quantas coisas admiramos pela beleza, que acaba?
Voltou pra casa, caminhando pelo mesmo caminho, mas não cansou. Acendeu a luz do apartamento bem localizado e comeu sozinho, um bolo gostoso. Prometeu a si que compraria mais vezes o bolo, se o acaso colocasse o soldado frente a frente com boa funcionária do sorriso forçado. Gostaria de conhecê-la, afinal, o dinheiro que comprar qualquer bolo, pode comprar uma escolha certa. A madrugada do sábado já estava começando. Apenas alguns minutos dividiam o sábado do domingo. Alguns minutos definiam os dias felizes dos dias ruins. Apenas alguns minutos eram necessário para um novo dia-escuro. As chaves, o carro, os minutos, a madrugada. Era hora de sair.
O bravo soldado saiu. Ligou para algumas pessoas, ainda na direção. Quebrava alguma regra de trânsito. Adorava quebrar as regras. Seguiu o conselho de alguma pessoa e foi para um lugar promissor, onde somente as pessoas mais quentes iam. Nunca fora quente; seria quente apenas por entrar nesse novo paraíso? E ao sair, se tornaria uma pessoa mais fria do que já era? não importava, a escolha de onde passaria a madrugada era mais uma escolha que não queria fazer. Chegou no paraíso promissor da semana.
Já era domingo quando entrou. Sentiu olhares e muito calor. As pessoas dançavam animadas e ele estava parado. O soldado foi ao bar e comprou a bebida mais cara do local. Bebeu sozinho por algum tempo, apenas por algum tempo, alguns minutos sentado e as possiveis companheiras da noite o cercavam. Nenhuma garota interessante por aqui. Nem por alí. Nem em lugar nenhum.
Saiu do bar e dançou, mesmo não querendo. Todo aquele barulho infernal o incomodava muito. Mexeu suas pernas em algum ritmo novo. Algumas pessoas riam perto do soldado, que ao escutar as risadinhas abafadas pela música, riu também. Agora ele ria. Ria muito, e dançava. Estava feliz, pensava. Quando mais novo desejou uma noite como essa: risadas e dança.
As risadas iam ficando mais forçadas e cansadas. Ninguém mais ria, por mais engraçado que tudo parecesse. Eram todas robôs japoneses, programados apenas para uma função, sem erros e sem sentimento. As pessoas riam, mesmo não querendo rir. Lembrou-se que talvez a boa funcionária do mercado pudesse ser um robô.
Foi aonde toda a gente dançava. Pareciam macacos, cheios de vida. Decidiu brincar de ser macaco. Macaquiou alguns minutos. Olhou desajeitado uma macaca que dançava perto dele. Sentiu que a conhecia, então lhe ofereceu a bebida mais cara do lugar. Ela falava, ele ouvia. Ela dançava, ele a olhava. Ela o olhou, ele a beijou.
Se beijaram o resto da noite, no apartamento do soldado, que convidou a moça para conhecê-lo. Foi isso então? Era uma manhã de domingo, e a bebida mais cara do lugar lhe dera dor de cabeça matinal.
Era dia, e havia uma desconhecida na nova cama confortável do soldado. Era dia, e agora? Porque se martirizava tanto, trazendo mais uma mulher que o dinheiro comprava para seu apartamento? Chorou. Fez café e serviu o bolo de não-sei-o-quê para a dama, que de imediato reconheceu o gosto delicioso do bolo. Apenas um lugar vendia o bolo. Apenas um supermercardo na cidade, apenas uma cidade no mundo. Tinha toda essa certeza, porque a receita do bolo era dela.
O homem riu, não acreditava. De imediato perguntou de que era o bolo. A moça disse que o bolo era um segredo. Apenas uma pessoa no mundo poderia saber de que era o bolo. Olhou a embalagem, e constatou: o bolo era de nada.
Um bolo de nada o fez feliz. Nada fez feliz a um soldado que tinha tudo.


Fim Idiota, mas tava grande e eu precisei cortar. Desculpas, depois eu ajeito.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Minha mãe é um sapo

Durante algum tempo fora chamada de bruxa por todos. As mesmas bocas malditas que a profanavam não conseguiram provar mentira alguma. Disseram, por algum tempo, que também era louca. Talvez até fosse louca – isso não importava - mas quem nunca desejou pertencer a um mundo próprio. Disseram também outros absurdos mais vulgares. Era apenas algum reflexo da nova situação, ou até mesmo inveja, pois a nova vizinha era muito bela. As Bocas Malditas falavam, insultavam. Nunca falou com nenhum vizinho. Despertou a raiva humana, por preferir não se socializar. Causara, apenas por ser diferente, raiva. Estive me perguntando por que nunca falou com ninguém. Talvez não fosse uma escolha pessoal, mas sim dos vizinhos. Não suportava o clima agradável de bom companheirismo daquele lugar calmo e alegre. Hoje em dia, tudo tão calmo e alegre daquele jeito é tão raro; nada mais é assim, exceto aquele lugar. Nunca houve uma briga sequer por lá. Não havia lugar para diferenças. Era um mundo não particular a ela, um novo mundo, desconhecido. Aos meus olhos, nunca houve nenhum problema com a suposta bruxa. Até achava interessante uma bruxa na vizinhança. Se ela fosse realmente uma bruxa, eu gostaria de ser auxiliar de feitiço; afinal, deve ser estressante ser um ser raro nesse mundo tão comum. Inclusive, até gostaria de transformar alguns humanos em sapos. Conheço alguns sapos que foram transformados em seres humanos, mas não deveriam ter sido. Tenho certeza que também sou capaz de transformar humanos em sapos. Colocar tudo em seu lugar, como deve ser. Tenho certeza que a bruxa já transformou algumas pessoas, pois há muito sapos onde moro. Quem sabe sou um sapo. Penso tantas asneiras. Digo-me vivo, sem saber exatamente o que isso signifique. Penso coisas ruins sobre meus vizinhos, que não gosto. E já adoro uma bruxa que mal conheço. De certo, era a mais bela bruxa da cidade. Em uma de suas raras passagens pela rua, a cumprimentei. Ela fixou seus olhos de bruxa dentro dos meus olhos de medo. Levantou a sobrancelha esquerda, e sorriu. Senti medo de um sorriso de bruxa, talvez o sorriso estivesse enfeitiçado. Andou alguns passos, e parou. Corri rápido, como se meu mundo estivesse caindo. Estacionei em sua fronte, e retribui o sorriso. Como resposta, ela me deu uma bala. A bala estava enfeitiçada, eu sabia. Era verdade, era bruxa. Guardei meu tesouro, com muito carinho, em um esconderijo secreto embaixo da cama, dentro de uma caixa de sapato. Não há em minha casa bagunçada esconderijos de outras pessoas; todos eles são meus e secretos. Estava decidindo ainda quem teria o destino interrompido, transformado por mim em um sapo. Nunca tive tesouro algum, apenas aquele. Ainda não sei o que me fez mais feliz: o prazer de ter a bala, ou a autoridade que tinha para ministrá-la. Esperei o momento certo para transformar alguém em sapo. Existe momento certo pra ser transformado em sapo? Senti medo. Esperei a bruxa passar mais uma vez. E antes que pudesse falar algo, ela retirou a bala e me deu outro sorriso. Eram duas balas, duas vitimas. Decidi guardar, e usar apenas quando fosse o momento certo, mesmo não havendo momento certo. Embaixo da cama, residia um feitiço, uma bala vermelha. A bala que a bruxa me dera, era azul. Seria o mesmo feitiço? Guardei a bala azul, junto da outra, dentro da caixa. Em outra tarde, recebi mais algumas balas. Algumas tinham duas cores, outras eram escuras, outras claras; uma verdadeira coleção.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Xícaras

Eram inicialmente um grupo de 6. um conjunto de porcelana Belga, muito bonito, em cores bem vivas e harmônicas. Fruto de um presente, lembrança da última viagem de parentes distantes pela Europa. Fazia gosto tomar qualquer liquido, seja café ou chá ou até mesmo chocolate quente. Antes delas, costumavamos tomar nosso café matutino em medíocres copos americanos nada charmosos e de origem desconhecida. Eram todas as 6 xícaras do mesmo modelo, porém com cores diferentes.
A minha favorita, qualquer um poderia dizer, era a preta. Tinha uma cor bem definida; um preto diamante-negro. Não era a mais alegre ou mais bonita; era exatamente igual as outras. Sua beleza estava ímplicita na ausência de cor. Foi amor a primeira vista; quando a vi, imediatamente a escolhi. Só tomei meu café com leite e baunilha com ella. Às vezes tomava água também, previnindo-me de agum possivel ciúme improvável de copos brasileiros. Ainda me pergunto o que ela estava fazendo ali, no meio de tantas cores alegres. De uma coisa tinha certeza: essa xícara fora feita por uma fada. Embora não distribuisse felicidade, tinha lá seu feitiço; roubava sorrateiramente todas as atenções para si. Talvez por ser tão menos alegre, tão menos bonita, tocava nossos corações, emersos em tanta solidão; e acabavamos nos sentindo um pouco menos solitários em nossa realidade privada, particularmente tão pública. A xícara emitia um sinal, captados apenas pelos corações mais parecidos com o seu tom diamante-negro. Sentia, sempre que a olhava, que todo o seu mal poderia fazer muito bem, e que até mesmo a tristeza mórbida de uma lágrima quente escorrendo por uma face sofrida, se tornaria um maravilhoso e raro espetáculo. Tudo se convertia. Hoje costumo sentir esse sentimento de felicidade indevida quando estou em crises. nenhum psicólogo poderia explicar; mesmo se pudesse, não acreditaria em nenhuma palavra.
Particpoude várias ocasiões importantes, bem como foi a única amiga dos que estiveram sozinhos e sem sono, dentro da madrugada fria. Abrigou os mais diversos gostos, e cores, e sentimentos impossiveis. Teve seu fim em uma segunda-feira melancólica, desapercebida de qualquer atenção. Mamãe quebrou e a jogou fora.
Haviam mais 5 xícaras.
Era a branca a mais irritante, se é que sou capaz de julgar o que parece ser irritante. nunca consegui sequer olhá-la por mais que alguns segundos sofridos. Era uma xícara perfeita, despertando assim, minha total falta de compaixão e atenção. Havia um perfeito contraste irritante, como jamais vi e verei: qualquer liquido, por mais morto que esteja, ganhava vida imediata e temporária dentro dela. Quando ninguém estava por perto, e quando já era bem tarde da noite, tinha a certeza de que ela, trancada no armário da cozinha, brilhava; não sei porque acho isso. Mas era certo que brilhava no escuro.
Às vezes olhava fixamente na sua direção, invejando os liquidos que ali ficavam e desejando por um momento sentir tanta vida. Se fosse uma xícara, jamais seria um xícara branca. Ainda não sei a cor exata, talvez laranja, talvez não-laranja; estaria disposto a ser qualquer outra cor, menos branco. Talvez até fosse branca, mas seria um de um tom particular de branco mesclado com manchas pretas, passando a impressão de uma paz frustrante, indevida de uma simples xícara, perdendo assim todo o meu brilho e minha paz. Se fosse uma xícara, possivelmente não seria a favorita, ainda que fosse exatamente igual a todas as minhas irmãs. Ficaria isolada, sendo convocada apenas quando não restasse mais nenhuma outra opção. Se fosse uma xícara, teria a companhia fiel de um pires. Às vezes pires não são lembrados. É somente convocado a apresentar-se a mesa quando quer mostrar-se classe. Os pires são mais nobres que xícaras, sempre foram. carregam consigo todo o fardo de uma xícara. São subordinados. Os pires nunca são lembrados pelo seu enorme esforço, apenas pela sua beleza momentânea. Atrevia-me então, a dizer uma mentira conveniente, na intenção de rebaixar-me um pouco mais: se fosse um pires, seria um simples e pobre pires opaco e sem graça.
A xícara branda, um dia apagou. Perdeu sua asa em uma queda e ficou sem valor.
A história mais ilariante, de certo, é a história da xícara verde. Era a xícara mais mal-interpretada. Poucas vezes lembrada por todos. Foi seu maior feito, um galo vistoso na cabeça do tio, que passava férias em casa; alvo certeiro da ira diabólica de mamãe em uma madrugada indevida. Em um sábado qualquer, já dormíamos, quando escutamos barulho de cachorros, que tirou do inefável mundo dos sonhos. Mamãe estava um pouco mais nervosa que o normal. Sem sono, sentou-se na mesa da cozinha e tomou um café, para despertar da agonia de não conseguir dormir. Sentiu uma mão em seu ombro, e sem pensar duas vezes, usou a xícara como objeto de defesa. A xícara despedaçou-se e esse tio nunca mais passou férias em nossa casa.
Ainda tem o mistério da xícara caramelo. Em uma noite a xícara foi guardada no ármario, no outro dia já não estava mais lá. Não havia evidencias de crime, mas eu sabia que havia sim um crime. um crime muito perfeito. Sou perito em resolver mistérios, desde sequestro de talheres até suicídio de copos; mas desaparecimento de xícara? Minha tese baseia-se em algo que n unca poderei provar, mas que tenho a certeza convicta de que aconteceu, e que foi de má fé. Não acho que foi desaparecimento, e sim homicídio doloso. E quem matou foi a xícara branca, que brilhava toda a noite. Talvez o seu brilho tenha matado e absorvido a caramelo. Talvez, ainda não posso provar. Mamãe disse que sumiu, e que de vez em quando as coisas somem, sem muita explicação. Sumiu, como tantos outros fantasmas do meu passado sombrio. Há um lugar aonde tudo que some, apareçe? Deve haver, deve haver.
Por fim, o pior: as xícaras esnobes. Vermelha e Azul. Mamãe viu alguma semelhança entre elas, e as ultilizou, enquanto vivas, para as prolongadas conversas no escritório que papai mantinha em casa. Papai nunca tinha tenpo pra família, apenas para os negócios, e mamãe sempre se ocupava, quando livre, servindo os chás-da-tarde no escritório de papai. Iam cheias, voltavam vazias, para novamente retornarem com algum café. Eram as xícaras, as únicas que ouviam as conversas confidencias que papai nunca nos deixou escutar. Quando as via indo para o escritório, cheias de algo delicioso, sentia um ar esnobe, como que fala: sei mais que você jamais poderá saber. E quando as via voltando, sentia que de algum modo, mesmo vazias, compartilhavam informações importantes. Comecei a sentir raiva. Em uma tarde, cansado de televisão e videogame, vi mamãe atravessando a sala, pela 5ª vez, com uma bandeja, usada apenas para as xícaras. Pedi para eu mesmo levé-las à papai. Carreguei meus desafetos, encarei-as com medo do que poderia fazer, e as soltei acidentalmente, quebrando em vários pedaços e causando mais trabalho pra mamãe.
Papai comprou um novo jogo de xícaras. Essas eram comuns, com alguns desenhos; todas iguais. As reuniões continuavam e mamãe desfilava elegantemente com outras xícaras, cuja história ainda não sei.

sábado, 9 de agosto de 2008

Parte II: Nádia e Roberto

- Prazer Dona Nádia, meu nome é Lisa!
- Roberto falou muito sobre você.
- Ai, o que é isso! Quando o Dr. chega?
- Ele está a caminho; conheça Luciano.
- Pode me chamar de Ferro.
- Olá Ferro! Está com fome?
- Faminto. Nádia, seu marido sabe que eu sou vegetariano?
- Ainda não tive tempo de...
- Olá querida, já conheceu Lisa?
- Oi amor, esse aqui é Luciano, pode chamá-lo de Ferro.
- Oi Ferro, desculpas pelo atraso galera.
- Que isso Dr. Roberto!
- Já podemos pedir? Ferro, aqui tem uma picanha sangrenta, uma delícia.
- Mas eu sou veg...
- Ô Grande! Ei engravatado!
- Pois não senhor?
- 4 chops, duas saladas para as moças e duas picanhas sangrentas aqui pra gente, né chapa?
- Na verdade eu...
- Ele tem uma academia, amor!
- A lisa é herndeira de uma rede de bancas.
- O Luciano dá aulas particulares.
- A Lisa fala Inglês, Francês e Espanhol.
- O Luciano é casado!
- A Lisa é solteira!
- Dr. Roberto, vocês estão juntos a quanto tempo?
- 3 ano em Agosto, querida.
- Ferro, você é formado?
- Claro, em fisioterapia, pela Unietê.
- Lisa é formada em adm pela Universidade concorrente.
- Nádia me disse que você tem um escritório...
- É sim, e Lisa está sendo meu braço direito ultimamente.
- Dr. Roberto, eu que aprendo com o Sr.
- As saladas e as picanhas chegaram.
- Demorou né? Ainda querem 10%.
- Mas eu não como...
- Dr. Roberto, eu odeio salada.
- Adoro salada, podemos trocar?
- Claro. Prefiro carne; não sou uma fã de clorofila.
- Salada é bem saldável.
- Odeio salada, é comida de bicho.
- Você já viu como é horrivel a morte de um boi? E a da vaca?
- Vi sim
- E continua comendo carne?
- Continuo sim. Você já viu a morte de uma chicória?
- Claro.
- E continua comendo chicória?
- Continuo sim, mas...
- Tudo a mesma coisa.
- Você é um assassino.
- Você é um animal!
- Carnivoro!
- Vegetariano!
- Idiota!
- Imbecil!
- Querido, não chame o Luciano de imbecil.
- Cala a boca Nádia!
- Não mande a Nádia calar a boca, seu assassino!
- Gente a comida á esfriando...
- Cala a boca Lisa!
- Não me mande calar a voca seu energumeno!
- Não chame meu marido de energumeno, sua energumena!
- Querida, eu sei me defender soz...
- Cale sua boca, seu energumeno! Porque você é tão...
- Começou! Agora vai querer discutir a relação; mulheres...
- Mulheres o quê? Homens são tão...
- Somos o que? Fala Lisa, se você é mulher...
- Sempre se acham superiores! Né Nádia?
- Né
- Nos achamos porque somos, né Ferro?
- Né.
- E somos sim.
- Prove!
- Vocês gastam duas vezes mais papel higiênico.
- Agora a culpa do aquecimento global é nossa?
- É sim querida.
- Dr. Roberto, me desculpa, mas eu já vou embora.
- Fica Lisa, estamos apenas debatendo assuntos conteporêneos.
- Não amor, você acabou de por a culpa do aquecimento global em nós.
- Mas é verdade Nádia.
- Luciano, cala a boca, você está demitido!
- O que eu fiz patroa?
- Nada; apenas cansei de comer salada. Comida de bicho. Garçom, mais uma picanha.
- Eu sabia que você não gostava daquela comida de bicho.
- Eu sempre gostei daquela comida de bicho.
- Não é comida de bicho.
- É sim, seu animal.
- Assassino!
- Vegetariano!
- Imbecil!
- Idiota!
- Chega rapazes! Ainda são superiores.
- Somos sim, temos os negócios da família. Mandamos em vocês!
- Dr. Roberto, me demito!
- Não se demite não; você está demitida!
- Mas eu me demiti primei...
- Então pague a conta.
- Mão-de-vaca.
- Incompetente...
- Ela era seu braço direito amor, não se esqueça disso.
- Amor eu...
- Recontrate-a.
- Mas amor...
- Agora!
- Mas eu não...
- E pague a conta.
- Mas foi ela que...
- Lhe espero no carro. Adeus Lisa, Adeus Luciano.
- Adeus Sr Roberto, segunda eu estarei lá. Adeus Dona Nádia.
- Adeus Lisa, Adeus Nádia, Adeus assassino...
- Amor, peça desculpas a Ferro.
- Mas ele me chamou...
- Ferro, peça desculpas a Roberto.
- Eu não quero...
- Vamos, dêem-se as mãos.
- Você pede primeiro.
- E ainda são superiores.
- Desculpa.
- Desculpado. Não vai pedir desculpas não?
- Não.
- Não desculpo então.
- Desculpas então.
- Então tá.

Continua...

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Oito do Oito do Oito

Sempre que quero faltar aula, peço. Nunca faltei sem pedir, acho feio. Até poderia, mas essa não foi a educação que recebi. Se vocês lêem isso hoje, é culpa dela. Sinto-me honrado e não-merecedor do sacrificio diário que minha mãe faz para pagar o curso.
Também nunca lavava a louça ou varria a casa. Sempre dizia que tinha que por Matemática e Química em dia, sensibilizando assim a minha mãe. Ainda não sei como ainda funciona. Não que esteja reclamando, mas se ainda funciona é melhor aproveitar antes que acabe.
Era verdade; 18 anos e nunca vi abertura sequer de olimpíadas ou pan-americanos. Nunca vi; sempre algo atrapalhava; talvez as aulas...
Agora estava eu lá, sentando na sala, de frente pra televisão, encarando o Galvão Bueno. Faltando minutos para a abertura. Não sabia o que ia ver, mas esse Galvão prometeu-me um show de perfeição, porque "assim são os chineses". Desde quando os chineses são perfeitos? Até onde sei, eles nem tem liberdade de expressão. E eles são todos iguais... o perfeito é diferente de tudo que você já viu.
Vejo pessoas no estádio, que custou caro, com certeza. 90 mil ao todo, dizia uma mulher loira de olhos azuis. Vi pessoas de várias partes do mundo, algumas loiras alemãs, outras negras lindas e Africanas, que arrancaram-me suspiros. Outros Ingleses de olhos azuis, e até mesmo um grupo de Francezes cheios de si. Pessoas, como eu e você, com muito mais dinheiro, é claro.
Estava lá, e havia finalmente começado. Um show de tambores. Com chineses iguais. Tambores iguais. Expressões iguais. Estava tudo tão impecável; parecia até que se alguém espirrasse durante a dança, seria morto pelo exército. Tudo impecável. Apagou-se a luz, pensei: que feio, não pagaram a conta. Fiquei de boca aberta durante algum tempo. Não de suspresa, mas de sono. Estava chato. Lindo, mas chato.
Acordei quando vi uma menina tocando piano. Ela tinha 5 anos, a vadia. 5 anos gente! Eu não sabia fazer nada aos 5 anos, a não ser alguns desenhos pro meu pai. Será que aquela criança estava com medo? Ela riu, e eu ri também. Acordei pra vida.
Vi luzes e roupas laranjas. Adoro laranja, é a cor mais viva do mundo. Deixa tudo com graça. Laranja chama a atenção de todos. Agora que falei isso, vocês também começaram a notar mais laranja na vida. Espero que gostem da cor, tanto como eu gostei de ver um principe carregando uma bússola, vestido de laranja. Ele era o rei daquilo tudo e eu era seu servo.
Depois de duas horas vendo pessoas andar, achando que a tocha seria o marco da festa, decepciono-me. Um chines voando pelo estádio. Tão perfeitos, desse Galvão. Mentira, nunca mais vejo uma abertura de chineses. Eles são previsiveis.
Ah se eu tivesse ido a aula...

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Dedo no nariz.

Pronto, eu fiz! Enfiei o dedo no nariz, na frente de todo mundo, com garra, com força, com determinação e com muita vontade! Foi ótimo, todos olharam. Uma sensação ímpar. Melhor coisa não deverá haver; uma liberdade incondicional, uma quebra no livro das regras de boa conduta. Fugi da etiqueta e atormentarei o sono das dondocas bacanas da Aldeota por várias semanas. Por segundo estive no céu, sentindo-me acima de todos.
Todos olharam mesmo. Em segundos eu me tornei um animal selvagem e perigoso, solto, na cidade-grande. Olhares me perseguiam: alguns repreendendo, outros surpresos, finjindo um falso nojo. Gostei de ver algumas poucas caras felizes com a situação, me dando o apoio. Essas caras, esses olhares, não me abalavam. Estava limpando meu nariz, ali, na frente de todo mundo, completamente certo de que era a coisa mais natural do mundo.
De todos as manerias, tentei classificar as pessoas. Executando a limpeza do nariz você consegue um novo método de classificar pessoas.
Há os que limpam o nariz e nunca assumem. O pior tipo, definitivamente. Enfiam o dedo com muito gosto e quando vêem alguém fazer o mesmo franzem suas testas e finjem nojo. Julgam, como se fossem um juiz da verdade, certos de que sua opinião é a mais correta. Eles fazem, não tocam no assunto e ainda mascaram as estatisticas. Quantas pessoas que você conhece limpam o nariz na rua?
Também há os que fazem, mas são discretos. Normalmente limpam o nariz quando não há alguém por perto. São culpados de serem humanos, é natural arrotar, cuspir e limpaz nariz. Mas eles sentem uma vergonha. Acho-os patéticos... quantas vezes os peguei com a mão na massa, se deleitando com a sensasão agradável de limpar o nariz. Nossa, divirto-me quando acabo denunciando a minha presença com um riso maléfico qualquer. É sempre a mesma coisa: abrem os olhos, limpam os dedos sujos na roupa e se desculpam.
Há os que fazem em qualquer lugar, sem medo de serem pegos e orgulhosos do ato. Normalmente somos felizes e, por isso, temos o total direito de, além de limpar o nariz, depositar a bolinha de meleca em uma parede qualquer da cidade; não só paredes, mas também assentos de ônibus, telefone público ou qualquer outra coisa pública.
Estive andando pela rua, feliz, limpando meu nariz, sem medo dos olhares. Depositei minha melequinha na parede branca, e quando estava perto de pegar o ônibus, vi uma melequinha. Comemorei.
Era alguém feliz.

Aceito suas desculpas esfarrapadas.

Ainda tens a ousadia de perguntar-me o que tens feito de errado? Quando falaste que era ingênuo, pensei que estivesse jogando um jogo esperado, agora vejo que não. Lhe falarei o que andas fazendo, deixando-me triste ultimamente. Atreveste a contar-me um insulto. Um insulto que jamais imaginei receber de ti. Logo de ti! Adorava-te. Pergunto-me se há desculpas no mundo para sua falta de respeito para comigo. Sou frágil, acreditas?! Nunca me deixaste tão ofendido como ontem. Fizeste-me o melhor elogio possivel; aquele que nunca imaginei receber em toda minha vida literária. Tocaste-me no fundo, onde nenhum outro havia penetrado. Enxi-me de orgulho e felicidade. Tudo passageiro, acabou no segundo iniciante do próximo minuto. Acreditei que tu fostes forte, e que sempre faria-me uma critica pesada. Foste fraco, e por isso tenho-lhe comiseração. Cheguei, inclusive, a pensar que estivesse brincando. Mas então vi que ficou sério e cheio de admiração por mim. E quem sou eu, meu deus? Sou apenas eu, nada mais inteligente ou hábil que qualquer outro nesse mundo. Estás em dívida comigo, meu caro querido. Espero uma crítica pesada, que encha meus olhos sensiveis de lágrimas. Espero desculpas, e as espero sinceras. Saberei julgar suas palavras, do mesmo modo como julgastes boas as minhas. Sentirei-me feliz, e até colocarei exposta a sua retratação . Eternizarei o momento de tanta felicidade interna. Sentirei paz, e só então voltarei a escrever como antes fazia. Não leve-me a mal, levar um elogio de alguém que admiro me deixa cheio de mim - ainda que já seja cheio de mim, sem elogio algum. Quisá, então, com um elogio tão grande e bonito vindo de ti...

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Parte 1: Nádia e Roberto

- Você chegou atrasado
- Eu sei.
- Porque?
- Lisa.
- Lisa?
- Isso, Lisa.
- Quem é Lisa?
- Lisa, a estagiária, já lhe falei dela.
- Não; Não falou não.
- Sim, eu falei, me lembro de ter falado.
- Quando?
- Não sei. Sei que falei.
- Não falou.
- De quem?
- Lisa.
- Ah! Lisa, a estagiária?
- Sim, Lisa, a estagiária...
- Filha do Raimundo, da banca.
- Porque estamos comendo salada?
- Por que Luciano mandou.
- Luciano?
- Isso amor, Luciano.
- Que Luciano?
- Luciano, o marido de Lisa.
- Lisa, a estagiária? Ela é casada?
- Não, Lisa, minha amiga da academia.
- Não sei quem é.
- Sabe sim querido, agora coma a sua salada.
- Não gosto de saladas.
- Não gosto de estagiárias.
- O que você está querendo dizer?
- Nada demais...
- Você não está achando que...
- Ela é loira?
- Quem?
- Lisa, a estagiária.
- Não; É ruiva.
- Natural ou pintado?
- Natural, que diferença faz?
- Nenhum, apenas não gosto de loiras.
- Mas você é loira.
- Sim, porque você gosta de loiras.
- Gosto, mas prefiro morenas.
- Posso pintar meu cabelo.
- Querida, você está linda.
- Luciano disse a mesma coisa.
- Que Luciano?
- Luciano, o marido de Lisa.
- Lisa, a estagiária?
- Não, Lisa, minha amiga da academia.
- Você tem uma amiga chamada Lisa?
- Sim.
- E ela é ruiva?
- Não é loira.
- E Luciano?
- Luciano, o marido de Lisa?
- Isso, o marido de Lisa.
- É moreno.
- E quem é Luciano?
- Meu personal trainner.
- Desde quando você tem personal trainner?
- Desde o dia que você me chamou de gorda.
- Eu nunca disse que você estava gorda.
- Disse sim, e é por isso que estamos comendo saladas.
- Achei que Luciano...
- Ele mandou.
- Não gosto de saladas, e não gosto do seu personal trainner.
- Não gosto de loiras, e não gosto também de sua estagiária.
- Você está magra, não precisa comer salada.
- Você acha?
- Sim.
- Vamos acabar o almoço e ver um filme?
- Não, Luciano chega já.
- Você e esse Luciano não ...
- Não. E você e essa zinha não...
- Não. Eu te amo.
- Eu te amo também querido.
- Quero conhecer Luciano.
- Quero conheçer Lisa.
- Que tal amanhã?
- É.
- Almoço no Jhonny's?
- É.
- Vou chama-la hoje, no escritório.
- Vou chama-lo hoje, durante a aula.
- Tá.
- Querida, olhe embaixo do seu prato.
- Um anel?
- Isso, um anel.
- Que lindo! Foi caro?
- Foi.
- Querido, olhe dentro do seu guardanapo.
- Um relógio?
- Isso, um relógio.
- Foi caro?
- Foi.
- Te amo.
- Te amo também. Agora acabe sua salada.
- Não gosto de...
- Agora!
- Mas...
- Quando acabar tire a mesa.
- Quando voltar, lave os pratos.
- Okay, te vejo a noite?
- Sim.
- Até a noite.
- Até.

domingo, 3 de agosto de 2008

Chove dentro de mim

Está chovendo. Sim, está chovendo dentro de mim. Está chovendo, e é uma chuva grossa, com raios e trovões. Um chuva perigosa. Sempre está chovendo.

Lembro-me que um dia, no passado, fez um sol. Um sol brilhante, onipotente, rei de toda a luz do mundo. Então comçei a admirar o sol. Escrevia sobre o sol, falava sobre o sol, passava horas deitado, olhando o brilho, que era muito intenso, muito claro. Cansei-me de ficar deitado, olhando uma mancha preta no meu olho. Desvie meu olhar; mirei alguns graus ao oeste, e vi uma nuvem branca, que entra em perfeito contraste com o azul do céu. A mancha era cada vez mais incomoda e com o tempo, preferi não vê-lo mais. Começei então a sentir apenas a luz e o calor.

Houve um tempo em que eu estive completamente apaixonado pela nuvem, e desejei-a só pra mim. Lembro-me que ela chegou tão perto, que cobriu meu sol, aliviando meu sofrimento de ver tudo sempre tão claro. Sentia cada vez menos o calor e luz. Estive deitado, sentido dia após dia a proximidade da nuvem. Um dia a nuvem cobriu o sol por inteiro. Foi então que conheci o alívio de não ter nada te incomodando. Foi ótimo. Não tinha mais preocupações. Era uma pessoa feliz, mesmo sem o sol.

Os raios de sol ficavam cada vez menos intensos e já não havia tanta luz para a nuvem filtrar. O sol havia ido embora, ou teria sido a nuvem que matou o sol? Foi então que eu descobri o poder da Inveja, pelo caminho do amor. A nuvem nunca me amou, nunca me ajudou, nunca sequer soube que eu existia ali, embaixo de sua sombra. A nuvem, que parecia ser pura, apenas via o sol. Roubara meu antigo amor, e me deixara cego. Com o tempo, não havia mais luz, nem calor, nem mais nada.

Foi então que começei a enxergar a nuvem. O tempo que houvera passado embaixo de sua sombra reconfortante, foi necessário para recuperar a visão que perdi. Com algum esforço, resolvi abrir os olhos. Vi então uma nuvem safada e escura (existem nuvens safadas sim) cobrindo totalmente o sol. Nuvens derradeiras e possessivas, que nunca tiveram o seu brilho próprio, sempre ofuscadas pelo belo e brilhante Rei Sol. Sangue-sugas. Roubaram todo o brilho do sol. O sol, sem brilho, seria sol?

Passei a odiar as nuvens. Começei a maldizê-las. Tornei-me inimigo mortal das nuvens. Começei a pensar em um modo de devolver toda a vitalidade do meu sol. irritei-as. Fiz elas ficarem possessas. Assim então, começoua chover. Chove há tempos. Não consigo lembrar-me das nuvens, pois os pingos grossos caem como martelos em minha cabeça. Não consigo me lembrar da luz do sol. Começo a achar então, que devo adorar a chuva.

Houve um tempo em que adorava chuvas...