domingo, 17 de agosto de 2008

O soldado da noite

Decidiu, for fim, passar a madrugada fora, ainda não sabendo qual seria seu destino. Tomou seu banho, escutando os ritmos do banheiro de seu novo apartamento e arrisocu algumas notas desafinadas, de um sonho antigo de ser cantor. Enquanto escolhia sua roupa favorita, que não era a mais bonita, pensou aonde iria. Talvez em alguns daqueles lugares novos, com pessoas interessantes. Talvez um ambiente inóspito, desconhecido e sujo. Talvez os dois, afinal de contas, a madrugada era grande demais. Olhou-se no espelho e viu em si um soldado. Um daqueles guerreiros anônimos, que sempre são imporantes, mas quase nunca são lembrados. Mais um soldado da noite, como outros tantos pela cidade. Estava vestido pro combate e com fome.
Abriu a geladeira e durante alguns segundos fixou seus olhos azuis, os olhos mais lindos que o dinheiro pode comprar, na luz amarela de sua geladeira, último modelo. Deixou seu instinto guiá-lo. Gostava dos vários prato que haviam ali dentro, mas nada o fez morder os lábios de vontade. Ainda com os olhos fixos na luz amarela, pediu algum conselho; como quem tem um mentor espiritual. Achou, dentro de si, com a ajuda da luz, a resposta: bolo. Porque, raios, em um mundo de comidas deliciosas, em um mundo onde se tem tudo, menos o pobre bolo, queria ele comer algo diferente? Era típico dele querer o que não se tem no momento. Sastifazeria ele, comendo qualquer outra delícia, mas por fim, optou pelo bolo. Mesmo não havendo bolo na geladeira, decidiu perder algum tempo comprando mais um de seus desejos momentâneos.
Onde estavam as chaves? Procurou em todos os lugares, até mesmo nos menos improváveis. Sem as chaves, perderia mais tempo andando atrás de sua vontade incontrolável de comer bolo. E sem o bolo, a madrugada não faria sentido. Cansado de olhar várias vezes em todos os lugares, e de pedir aos santos que devolvessem as chaves do carro, decidiu ir para algum desses mercados novos que vendem de tudo.
Não contava ele que o mercado mais proximo, não era tão próximo. A distância e a preguiça o consumiam. Cansava, apenas de imaginar-se andando a noite, sozinho. Andou cansado e cansou de andar. Enquanto andava ao quartel-bolo, tentou lembrar qual seria a última vez que andou tanto. A vida o presentiou com todo o sucesso que quis quando era jovem. Nos seus melhores tempos caminhando para a faculdade. Caminhar, por mais longa que fosse a estrada, nunca o cansava. Esforçou-se para ter tudo o que tinha. Seu esforço foi válido, passou em um concurso público e hoje esbanja dinheiro e poder. Também pensava aonde as chaves poderiam ter se escondido.
Enfim, após algum esforço nas pernas, chegou ao supermercado. Sacou algum dinheiro confuso, fruto de uma trabalho desgastante e dirigiu-se a padaria do supermercado. Viu muitos bolos, dos mais variados tipos. Alguns com frutas, outros confeitados. Sentiu-se triste com tantas opções. Odiava opções, do fundo co coração. Sempre foi horrivel fazendo escolhas. A vida é feita de escolhas, e ele fez questão de escolher tudo errado. Não se sentia feliz, mesmo achando que a escolha mais racional o traria a felicidade. Não quis escolher, deixou o trabalho sujo para a atendende, que sorria para ele, de um modo forçado, denunciando ser aquela, a norma da empresa. Não importava qual seria a escolha da moça, seu dinheiro destastante, fruto de um trabalho confuso, poderia comprar qualquer bolo. O seu dinheiro poderia comprar todos.
Com o bolo em mãos, foi a fila do caixa. Lá havia uma outra moça, que não sorria. Era rápida, educada e nada mais que isso. Uma boa caixa, que não seguia as normas da empresa. A quebra-regras disse algum valor. Ao tirar a carteira do bolso, deixou cair algo alienígena no chão. Viu, mas não quis acreditar no que viu. Era típico dele querer olhar antes de acreditar. Mesmo olhando, não acreditou. Eram as chaves. Estiveram alí, no bolso do soldado, habitando em segredo. As coisas mais simples eram sempre esquecidas por ele. Perguntou-se quantas vezes esqueceu a chave do carro dentro do bolso e quantas vezes teve sempre que fazer uma árdua caminhada, na sua vida cheia de escolhas frustradas e erradas. A moça dizia novamente o valor da mercadoria. O soldado lhe deu alguma nova nota e recebeu de troco algumas moedas e notas sujas. As notas estavam sujas, mas um dia já foram novas. Talvez até passaram pelas suas mãos, em alguma outra ocasião. Quantas coisas admiramos pela beleza, que acaba?
Voltou pra casa, caminhando pelo mesmo caminho, mas não cansou. Acendeu a luz do apartamento bem localizado e comeu sozinho, um bolo gostoso. Prometeu a si que compraria mais vezes o bolo, se o acaso colocasse o soldado frente a frente com boa funcionária do sorriso forçado. Gostaria de conhecê-la, afinal, o dinheiro que comprar qualquer bolo, pode comprar uma escolha certa. A madrugada do sábado já estava começando. Apenas alguns minutos dividiam o sábado do domingo. Alguns minutos definiam os dias felizes dos dias ruins. Apenas alguns minutos eram necessário para um novo dia-escuro. As chaves, o carro, os minutos, a madrugada. Era hora de sair.
O bravo soldado saiu. Ligou para algumas pessoas, ainda na direção. Quebrava alguma regra de trânsito. Adorava quebrar as regras. Seguiu o conselho de alguma pessoa e foi para um lugar promissor, onde somente as pessoas mais quentes iam. Nunca fora quente; seria quente apenas por entrar nesse novo paraíso? E ao sair, se tornaria uma pessoa mais fria do que já era? não importava, a escolha de onde passaria a madrugada era mais uma escolha que não queria fazer. Chegou no paraíso promissor da semana.
Já era domingo quando entrou. Sentiu olhares e muito calor. As pessoas dançavam animadas e ele estava parado. O soldado foi ao bar e comprou a bebida mais cara do local. Bebeu sozinho por algum tempo, apenas por algum tempo, alguns minutos sentado e as possiveis companheiras da noite o cercavam. Nenhuma garota interessante por aqui. Nem por alí. Nem em lugar nenhum.
Saiu do bar e dançou, mesmo não querendo. Todo aquele barulho infernal o incomodava muito. Mexeu suas pernas em algum ritmo novo. Algumas pessoas riam perto do soldado, que ao escutar as risadinhas abafadas pela música, riu também. Agora ele ria. Ria muito, e dançava. Estava feliz, pensava. Quando mais novo desejou uma noite como essa: risadas e dança.
As risadas iam ficando mais forçadas e cansadas. Ninguém mais ria, por mais engraçado que tudo parecesse. Eram todas robôs japoneses, programados apenas para uma função, sem erros e sem sentimento. As pessoas riam, mesmo não querendo rir. Lembrou-se que talvez a boa funcionária do mercado pudesse ser um robô.
Foi aonde toda a gente dançava. Pareciam macacos, cheios de vida. Decidiu brincar de ser macaco. Macaquiou alguns minutos. Olhou desajeitado uma macaca que dançava perto dele. Sentiu que a conhecia, então lhe ofereceu a bebida mais cara do lugar. Ela falava, ele ouvia. Ela dançava, ele a olhava. Ela o olhou, ele a beijou.
Se beijaram o resto da noite, no apartamento do soldado, que convidou a moça para conhecê-lo. Foi isso então? Era uma manhã de domingo, e a bebida mais cara do lugar lhe dera dor de cabeça matinal.
Era dia, e havia uma desconhecida na nova cama confortável do soldado. Era dia, e agora? Porque se martirizava tanto, trazendo mais uma mulher que o dinheiro comprava para seu apartamento? Chorou. Fez café e serviu o bolo de não-sei-o-quê para a dama, que de imediato reconheceu o gosto delicioso do bolo. Apenas um lugar vendia o bolo. Apenas um supermercardo na cidade, apenas uma cidade no mundo. Tinha toda essa certeza, porque a receita do bolo era dela.
O homem riu, não acreditava. De imediato perguntou de que era o bolo. A moça disse que o bolo era um segredo. Apenas uma pessoa no mundo poderia saber de que era o bolo. Olhou a embalagem, e constatou: o bolo era de nada.
Um bolo de nada o fez feliz. Nada fez feliz a um soldado que tinha tudo.


Fim Idiota, mas tava grande e eu precisei cortar. Desculpas, depois eu ajeito.

2 comentários:

Heyner Mercado disse...

Todos nós somos meios soldados de vez em quando, quando temos tudo e mesmo assim reclamamos da vida, como sempre estivéssemos a querer mais. Um pouco de ambição desmedida? Possivelmente. Quando temos tudo e não valorizamos, ter nada às vezes parece uma bela saída. É do nada que se vê o tudo. É da dor que se enxerga a felicidade. É do positivo que se enxerga o negativo, e todas as coisas opostas que pelas nossas vidas possam estar.

Rilke disse...

Um bolo de nada o fez feliz. Nada fez feliz a um soldado que tinha tudo.

Eu gostei bastante.