quinta-feira, 18 de junho de 2009

O aluno.

Ele riu, assim, do nada. Quase poderia dizer que ele estava rindo de felicidade; mas ninguém se atrevia. Um sorriso, nada mais, apenas isso. No entanto era tão difícil entender tudo aquilo. Nem mesmo ele deveria entender, afinal de contas, ele se isolava sempre. Nada o impedia de sorrir; mas parecia errado sorrir quando todos tinham motivos para não fazê-los. Talvez por isso tenha se distanciado daqueles rostos sorridente. Era impossível manter-se feliz quando não se sentia a vontade para fazê-lo.
Quando tudo começou, ninguém sabe. Aos poucos ele foi se isolando, ao mesmo tempo em que os outros faziam o mesmo. Não havia razão, ele apenas não se encaixava. Contudo, ele sentia uma leve satisfação em tudo isso. Qualquer um pensaria que ele não era aceito pelo grupo; ele gostava de pensar, ainda que pensassem que ele que estava errado, que o grupo inteiro que não era aceito em seu pequenino universo. Nada disso era desagradável, embora devesse ser; afinal vivemos em comunidade. Aonde ele pertence, então?
Quando tudo começou, ninguém sabe. Aos poucos ele foi descobrindo todo o prazer em seus pequenos segredos, com certo deleite. Nunca se atrevia a contar nada, e por isso o segredo valia tanto a pena. Ele era como um trem bala, passando por pessoas rapidamente, apenas vendo o borrão dos seus rostos e eventualmente olhando para trás com aquela nítida sensação de estar perdendo algo importante. Mas enfim, já passou mesmo.
Era o intervalo entre as aulas de Biologia e Língua Portuguesa. Exatos 20 minutos para fazer um lanche rápido enquanto se conversa com os amigos do colégio. Por certa razão sobre a qual nunca havia prestado atenção, sempre nos intervalos dessas duas aulas, ele se sentia mais alegre. Ao longo do ano, nem uma simples palavra foi trocada durante o intervalo dessas duas aulas. Nem mesmo um lanche rápido foi feito; ele apenas olhava indiferente para tantas pessoas alegres. E indiferente se mantinha; até demais.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Carmem Miranda

É, eu sonhei; descobri que tinha sonhado poucos segundos antes do despertador tocar. Tocar é gentil demais, na verdade ele realmente desperta e faz juz ao nome. Meus sonhos são usualmente enterrompidos, sem justificativa alguma; é o depertador cruel que eu mantenho em meu quarto – é minha a própria desculpa para não sonhar demais.
Ainda faltavam dois minutos. Hoje ele falhou, e eu ainda estou pensando; mesmo após o banho, mesmo após o café da manhã; mesmo agora, ainda penso. É, sem duvida, eu sonhei – e foi um sonho muito feliz, pois eu acordei sorrindo, e sorrindo permaneci por dois minutos. Dois pequenos minutos, que ainda sobravam entre eu viver e eu sonhar. Eu pensava, eu pensei, eu ainda penso.
Dois minutos antes de dormir eu não imaginei que ia sonhar. Nesse tempo curto, eu nem sei se pensei direito ou se apenas me deixei levar. Foram dois minutos que se foram e agora precisam ser preenchidos. Dois minutos sorrindo é mais do que eu posso sorrir; é mais do que eu mereço ter – dois minutos são demais pra qualquer sonho; eles duram pouco.
Então, ele toca, ou melhor, desperta. Ele falhou na sexta feira; é o que marca o calendário. Toda sexta-feira ele falhará novamente. Ainda que nem ao menos atrase um segundo sequer, eu lembrarei da sexta-feira em que ele faltou com a promessa de me manter sem nenhum pensamento e sem nenhum sonho. É, eu sonhei, ele falhou.
Então, ele decide parar de tocar, ou melhor, ele já não desperta, pois eu já me despertei. Eu me encho de coragem para poder enfrentá-lo mais dois breves minutos. E por mais dois breves minutos, eu me atraso novamente, atrasando o relógio. Agora, o relógio vai estar atrasado todos os dias, por dois minutos que fazem toda a diferença. Eu penso, eu sonho, eu me permito atrasar o relógio.
Dois minutos já se foram, e o despertador toca novamente. Quanto desafio! Mais uma vez ele toca, ou melhor, mais uma vez ele lembra que já é hora de despertar. Mais dois minutos? Sigo o ponteiro amarelo lentamente dando uma curva. Sigo novamente o ponteiro amarelo, dessa vez, mais rápido: é a segunda e última curva.
Seria uma última curva se os 360° fossem completos. Não foram, deixaram de ser. Até seria uma curva completa se eu não atrasasse novamente o relógio que continua me atrasando. É, eu sonhei, e a culpa foi do despertador que agora trabalha feito escravo, voltando no tempo, ou melhor, despertando.
Então, mais dois minutos. E mais dois. E mais dois. E mais dois. E mais um noite. E mais um dia. E mais uma outra noite. E mais outro dia. E mais uma semana. E mais um feriado. E mais outra semana. E mais outro feriado. E mais isso. E mais aquilo. E mais um mês. E mais um ano. E mais dois minutos. E mais dois minutos. Parou?
O relógio cansa, e já não desperta. Olho para as mãos cansadas: sou velho demais. Metade da vida passou, e a outra metade está passando. Mais dois minutos pensando, e pensando, e pensando. E então, um anjo me estende a mão: é a Carmem Miranda me chamando; tenho certeza. Ela canta, ela dança, ela flutua, ela sorri. Tenho certeza, é a Carmem Miranda, e ela vai falar alguma coisa. Ela diz...
- Triiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii.
O despetador toca, ou melhor, desperta: era hora de acordar.