sábado, 13 de agosto de 2011

Água gelada pra lua maldita

Talvez fosse plausível dizer que ele estava levando numa boa. Acordou com aquele gosto de ontem na boca, rapidamente levantou, tomou seu banho e abandonou o seu quarto, deixando as roupas jogadas no chão se misturarem com resto de comidas em pratos que se multiplicavam pelos objetos do seu quarto. Antes de trancar a porta do seu 301, no entanto, observou de relance a posição do caos e confirmou: de fato, funcionava.
O resto do dia correu agradavelmente. As pessoas o cumprimentaram cordialmente, e até houve um episodio de abraço espontâneo quando ouviu a voz daquela colega que ele sentia falta. Era o primeiro dia, pela quinta vez pela semana: ser professor tem disso, as vezes você vive a mesma alegria ou tristeza várias vezes.
Ele sentou-se por alguns minutos e logo em seguida alguém apareceu – foi o necessário para conversar sobre pequenos detalhes, pequenas viagens, pequenas resoluções, pequenas mudanças, pequenos amores. Tudo foi dito categoricamente, sem emoções exaltadas, sem o mínimo deleite sequer: mecânico. O grande ponteiro do relógio fazia a volta final, demandando que todos, na mais pura desordem, saíssem. Ninguém pensava na volta, apenas no começo: todos deveriam ir e voltar pelo menos cinco vezes em momento diferente naquele dia. Assim como de costume, seria possível ver as mais diferenciadas expressões enquanto se olhava para o relógio – algumas delas performadas pela mesma pessoa. A cada Tic, um Tac. Regra.
É noite, começo de noite, ele volta ao seu corpo com uma sacola de supermercado na mão, esperando o elevador, olhando com cara de mistério pros números que se movem. Era o terceiro andar e a escada estava ao lado; foi. Antes de abrir a porta pode observar as unhas sujas segurando os dedos podres ornados com o chaveiro favorito: estatua da liberdade. Ele tinha poucas chaves, preferia assim, manter tudo simples. Antes de abrir a porta, observou os números 301. Fantásticos. Era aqui, né? Aqui ele morava, e tudo o que ele tinha feito anteriormente se resumia aquele lugar imundo, provavelmente habitado por baratas que ele jamais havia visto, apenas escutados.
Olhando pro três ele pode notar que o lance das baratas era um barato. Ele era só, e tinha pena de não poder mudar sua condição facilmente. Há de se notar que era possível ser algo menos só, mas isso significaria exigir forças de um ser que ele não concebia ser, ainda que significasse a cura para o mal que o assolava. Nada valeria a pena e no final, sempre haverão as baratas.
Com a conclusão do pensamento, uma vez que havia se fechado o ciclo, ele finalmente girou rapidamente a chave na fechadura; fez questão absoluta de girar duas vezes seguidas, fazendo todo o barulho necessário, anunciando a sua entrada no seu reino – era como se ele esperasse ser ovacionado.
Não foi.
Rebolou a bolsa cheia de trabalho no cabide irregular ao no sofá perto da porta. Sentia falta da sua cachorrinha levada; por isso, quem entrava podia ver uma fotografia velha da Eva, aquele pedaço de furacão que vibrava emocionada quando ele chegava em casa. A foto ficava em cima de um sofá preto que pertencia a sua família. Quando não havia mais espaço pro sofá de gerações e o seu destino havia sido escrito, ele foi doado para o novo apartamento, apenas como lembrete que o sofá continuaria existindo, e embora não pudesse parecer tão confortável a primeira vista, surpreendia a todos
Deitou-se por um tempo e refletiu: era sábado, que merda. “não iria rolar reciprocidade” concluiu. Tentava finalizar os pensamentos para pode concluir as ações – e então refletiu se isso era erro ou acerto. Dirigiu-se a geladeira e bebeu um belo copo de água enquanto olhava pra lua cheia através da janela, maldita, no céu. E ria feliz, olhando para aquilo, com olhar de desdém. “Sua maldita, nunca vou te perdoar”.
E de repente, com essa confissão, ele realmente havia chegado em casa. Era lar, por mais inconveniente que pareça, é a verdade. Lar... Bagunçado, lar.