domingo, 27 de dezembro de 2009

Proibido a entrada

Eles subiram as escadas, felizes, ansiosos, temendo serem pegos. Quatro jovens que haviam roubado a chave do cadeado da última porta do edifício em que moravam. Suas vidas eram as mais tristes, não havia saída, exceto aquela última porta que levava ao lugar mais lindo de todo o mundo. Era o começo da noite e havia manchas laranja naquele céu. Pouco a pouco iam sumindo, engolidas pela noite, que chegava.

Enfim, um final, uma saída: uma porta vermelha. "Proibida a entrada". Tão estranho como poderia ser, eles destrancaram aquela porta nunca aberta anteriormente.

Aberta a porta, viram as grades do portão de ferro. Olharam-se naquele quase-escuro que os invadia, banhando suas caras com o mais puro breu; reconhecendo entre si os sorrisos criminosos que escapavam. Era ali, onde era proibido, onde era alto o suficiente para uma tragédia, ou onde era perfeito para ter os cinco minutos de extrema solidão. O momento perfeito para uma única foto, recordação de um momento anormal de felicidade.

O terraço do prédio há tanto desejado, há tanto comentado naquelas rodas de conversa. Era um prédio infeliz, verdade; mas tinha seu charme. Os amigos planejavam aquele momento há tanto. Agora estavam lá, felizes, jurando segredo perpétuo. O lugar que em 50 anos ainda seria tão belo como hoje.

Sentaram-se em circulo e compartilharam entre si coisas que nunca haviam dito:

- Quando meu pai morreu, eu senti raiva. Quis morrer junto, então me cortei na perna, onde ninguém nunca poderia ver, aqui, na parte de traz do joelho. Esse corte seria eterno, marca da minha revolta.

- Primeiro eu achei que fosse proibido, mas um dia eu descobri que não. Vi meu pai se beijando com um homem estranho, amigo do escritório. Se meu pai faz, eu também posso, não?

- Eu não sou feliz, eu choro todos os dias antes de dormir. Certa noite, eu tentei me matar, e quase consegui. Sinceramente, o mundo não me atrai.

- Eu vomito para ser magro. Odeio ser gordo. Só serei feliz quando emagrecer 28 kg, e até lá, eu espero ter vocês por perto para me socorrer.

Saíram daquele lugar proibido, trancando novamente seus segredos por detrás daquela porta vermelha.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

The present perfect

Seria a ocasião perfeita para fazer nascer uma poesia. Perfeito realmente seria se não fosse a minha incapacidade de rimar Fortaleza com Minas Gerais, ou quem sabe lá outras coisas piores. Uma poesia cairia muitíssimo bem, pois eu sei que ele a acharia bela. Poesia sempre me lembrou flores, e o Thiago adora flores. Talvez eu devesse escrever uma poesia sem rima alguma e entregar-lhe algumas flores. Seria este, o presente perfeito.
Infelizmente, não desejo entregar o presente perfeito. Sei que ele adoraria receber flores, porque afinal de contas, ele adora flores, mas tenho medo de errar na escolha ou não conseguir rimar outras palavras piores. Estou incapaz de rimar poemas com flores, seja lá quais forem.
Talvez, devesse escrever uma música. Mas sei que esse presente seria mais perfeito se viesse de outra pessoa. Não seria a ocasião lembra-lhe que o meu presente não é perfeito, apenas porque foi entregue por mim. Uma música sempre nasce de algum sentimento, e por ele, eu não sei o que sinto. Sei que sinto um Fá sustenido menor e um mísero Ré. Outra pessoa mais habilidosa, quem sabe, consiga encaixar as melhores notas e compor a melodia perfeita que eu quero tanto inventar.
Enfim, eu confesso: infelizmente não sou bom em presentear, pois sempre dou algo que quero ganhar.
Então talvez devesse ser a perfeita ocasião para um abraço apertado. Mesmo sendo, no fundo, no fundo, eu quem esteja sendo presenteado. Poderia ser um abraço casual; eu o esperaria por algum tempo ele sair de casa. Seria a ocasião perfeita para dizer qualquer coisa que estivesse presa por algum tempo.
Mas esse deveria ser o meu presente de aniversário, não o dele.
Pensei então, em lhe dizer que eu pensei nele ontem a noite, enquanto escovava os dentes. Seria engraçado, e talvez, quem sabe, quando ele fosse escovar os próprios dentes, se lembrasse de mim. O presente seria o seu próprio sorriso refletido no espelho. Seria válido, pois eu não o vejo sorrindo muito. Uma desculpa perfeita para ele sorrir de propósito para ele mesmo enquanto escovasse seus próprios dentes antes de dormir. Mesmo se não quisesse, seria bom para ele saber o quanto o sorriso dele é bonito.
Talvez devesse voltar às rimas, ou às flores, ou ao abraço, ou à música. Ou quem sabe, devesse juntar tudo e entregar, que valeria mais. Contudo, não tenho sequer uma caixa tão bela para por o presente perfeito. De nada adiantaria tem a perfeição em uma caixa de papelão surrada e riscada.
Cansado, desisto. Nada entregarei, com medo de errar.
Talvez eu só devesse dizer a ele que o amo. Não, eu não o amo de amor, eu o amo com afeto. Talvez nada entregar seja melhor; o tenho com amor, e isso é o melhor que posso sentir sem. Pode não ser realmente perfeito, mas pelo menos já tenho uma caixa para guardá-lo dentro.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Cascade kisses.

Eu estive me perguntando por muito tempo a mesma coisa. Já eram dez horas, quase onze, e eu poderia ficar lá até cansar. Eu tinha visto o sol nascer, meio quente. Ele não me irrita hoje, apenas brilha enquanto eu estou me deprimindo.
Mas esse não sou eu, ou pelo menos não era. Talvez eu seja isso: um corpo cansado numa cama de hotel. Ainda não descartei a idéia do fuso horário ter mexido comigo profundamente. Mais uma desculpa, ou uma resposta insincera e eu deixo tudo para mais tarde, quando esse sol irritante sumir e vier em seu lugar a noite fria. No frio tudo se destaca, inclusive eu.
São os olhos pesados, nada de doença. Cansei, e isso é visível. Estive cansado, antes de ter me esforçado tanto; agora estou exausto e prefiro não viver por hoje. Deixe que o sol brilhe sem mim.
Tédio - foi o que disseram. Mas quem pode dizer o que é tédio sem estar fora do tédio? O céu quando fica entediado muda de cor? Hoje ele está absurdamente azul quando deveria ser cinza. Talvez até um azul um pouco opaco. Não, ele realmente não deveria existir.
Enquanto ninguém entende, eu vou melhorando. Quando tudo fazer algum sentido, eu estarei entediado e pronto para quebrar o coração de alguém.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Feliz ano novo ?

Eu não havia conseguido dormir; isso é sempre ruim, porque com certeza eu não vou conseguir dormir na próxima noite também. Liguei aquele lindo abajour, e uma luz amarela lembrou que eu estava sozinho na cama. Fazia muito frio lá fora, mas mesmo assim, o ar-condicionado estava ligado no volume mais alto. Eu nunca tinha reparado como aquelas cobertas de lã me faziam ter bons sonhos durante aquela semana inesquecível. Levantei meu olhar para todos os detalhes do quarto. Meses atrás eu tinha visto as fotos da pousada, e tudo que estava na foto, permanecia ali, como se fosse um lembrete de que aquele lugar era meu e de mais ninguém. Tudo estava bagunçado, claro, afinal de contas, se tudo ali fosse impecável não teria a mínima graça. Contudo faltava uma mala e algumas peças de roupa.
Lentamente, sentei na cama, com as pernas cruzadas dentro da coberta. Pus o dedão na boca e comecei a roer a unha, como se aquilo fosse a única coisa que pudesse ser feita. Quando já não havia mais unha, pus os pés no chão, e, de mansinho, abri a porta da varanda, tomando todo o cuidado para não acordar alguém que já não dormia mais ao meu lado. Olhei para trás e constatei: era apenas eu, novamente, na véspera de ano novo, no lugar mais lindo do mundo.
Senti a diferença de temperatura no momento em que abri a porta. Chuviscava, e o ar úmido da madrugada me roubava um beijo por segundo. Alguns passos lentos em direção àquela que deveria ser a visão mais perfeita para um casal em lua de mel: a lua, o mar, o negro das árvores, pássaros no céu. Então, eu deixei a dor sair e chorei uma única gota de dor, que no final, acabou se perdendo nas gotas frias da chuva. De repente, como se despertasse, acordei, e vi que tudo era real. Naquele momento, cabia apenas voltar a dormir; mas não era o bastante. Permaneci, então, acordado, sentando, escutando as gotas caírem com o fim da noite.
Deveria ter bebido algo forte; seria um belo porre. Mas não transferir minha culpa pra ninguém. Eu estava errado, eu deveria pagar pelos meus erros, e me custava admitir estando sóbrio. Normalmente, eu não passo de uma pessoa segura, que se esconde dentro da própria insegurança. Mas naquele dia, eu estava incrivelmente forte. Eu só deveria pensar o máximo possível. Então, sentei no chão, com as costas apoiadas na madeira do quarto, e quando pensei no que pensar, minha cabeça caiu para o lado, e imediatamente cochilei.
E no próximo segundo, já era dia. A baba escorria da pela boca, e os olhos ardiam. O sol nascia tão perto de mim, que, inconscientemente, andei feito sonâmbulo em direção ao mar. Atravessei a trilha de árvores e cheguei à praia. A areia estava incrivelmente fria. Sentei, ainda de pijamas sobre algumas folhas, abraçando minhas pernas, como se elas fossem a única coisa a que um naufrago pudesse se agarrar, e quando o sol estava bem alto decretando o nascer oficial do dia de ano-novo, eu levantei e caminhei em direção ao mar.
As ondas levavam à areia molhada embaixo dos meus, e a cada nova onda, eu me afundava um pouco mais. A sensação era agradável, mas durante alguns minutos, eu pensei em realmente me afundar de verdade. Enquanto me decidia, sentia o salgado na boca trazido pelos ventos fortes. Algumas pessoas apareceram no outro lado da praia. Eles apenas riam e caminhavam, como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. Era o último dia do ano, e parecia ser o ultimo dia da minha vida também.
Havia areia na altura da minha canela, e quando essas pessoas se aproximaram, me retirei, com dificuldade, daquele buraco recém-formado. Fui mais fundo, até onde a água cobria minha cintura. Lá fiquei, até tomar coragem de ir mais adiante. Teria eu coragem de ir mais adiante? A cada segundo, mais e mais pessoas chegavam. E de repente, eu acordei, pela terceira vez naquele dia. Então, como se estivesse despertando, voltei acompanhado pelos olhares curiosos de todos para a pousada. Naquela hora, eu era um maluco qualquer, de pijamas molhados.
Deitei.
Esperei alguma coisa acontecer. Tentei fazer algo acontecer, mas tudo permanecia dentro do enorme vazio sem significado do último dia do ano. Então, pela segunda vez naquele dia, eu dormi.
Acordei no segundo seguinte, mas não era mais dia. O final da tarde foi enfeitado pelas várias pessoas se divertindo em um possível luau. Sim, o luau me magoava; planejei tanto, e agora ele era apenas uma lembrança de algo ruim. Fui à varanda, e observei o fim da tarde, que não chegava nunca. Naquele lugar, as horas eram difusas. Uma hora cabia dentro de vários momentos de eterna felicidade. Às vezes, a tarde virava noite e manhã, tudo em uma única hora. Eu sentia as costas ardendo, e o gosto do sal. Não ventava, fazia calor; ali o tempo seguia regras.
Então, em um único segundo de distração, a tarde voltou a ser jovem novamente. Suas luzes já não eram mortas, e sim, ofuscantes e belas. Tudo seguido da eterna melancolia indecifrável de coisas belas e infinitas. O que eu deveria fazer? Procurava essas respostas dentro de mim, mas não as achava. Talvez não houvesse resposta, e eu só devesse estar parado, esperando algo acontecer. E foi justamente isso que eu fiz.
No próximo segundo, o céu estava roxo. De longe, eram visíveis as tochas de bambu, dançando no escuro, anunciando o lugar da grande festa que em nada me atraia. De sopetão, levantei e caminhei em direção oposta as luzes, ainda de pijama até o outro lado da ilha. Quanto mais eu me distanciava, mais escuro ficava, e em poucos segundos, tive a nítida sensação de estar sendo seguido. Era tudo tão deserto; nada indicava que do outro lado havia pessoas celebrando a vida. Era perfeito! Sentei e estiquei as pernas, apoiando-se em mim.
Ainda havia luz, quando escutei algum barulho na floresta. Não senti medo, todo mundo ali queria um fim de algo, e comigo não foi diferente. Se fosse alguém terrível, me mataria, e tudo acabaria. Nada seria diferente, eu apenas não sentia medo, pois tudo já havia perdido significado. Não reagi, apenas permaneci parado, sorrindo.
Foi quando uma mão pousou no meu ombro, e pela quarta vez naquele dia, eu dormi.
Acordei, não sei quando, com a certeza de que eu havia dormido demais. Isso é ruim, porque com certeza, eu não conseguirei dormir na próxima noite também. Liguei o abajour, e aquela luz amarela me fez lembrar que deveria não ter ninguém ao lado da minha cama. Mas havia, e era quem nunca deveria ter saído. Chorava, e por trás dos cabelos que tanto me agradavam, vi, pela janela, o céu explodindo em fogos de artifícios. Era um ano novo, que parecia ser o melhor de todos o que eu já havia tido.

sábado, 25 de julho de 2009

Fechar os olhos.

Eu guardava minhas mãos embaixo da mesa, e fazia gestos escondidos. Gestos desprovidos de qualquer significado lógico, que de certa forma me salvavam de exprimir palavras. Ludibriado, senti o mundo ficar lento a cada segundo; nessa hora eu ria em segredo – mas ninguém nada via. Logo, eu abaixava a cabeça e via meus proprios gestos se modificando.
Ao levantar a cabeça, nada era lento; tudo fazia algum sentido que eu ainda não entendia. Havia perdido alguns segundos importantes que faziam as pessoas rir antes do silêncio constragedor de quem senta a mesa para beber com desconhecidos.
Alguém coloca as mãos sobre a calça e lança um olhar de desejo para o copo de cerveja; tudo se resume aquilo. Todos bebem; acabou. Lenvanto-me, sentindo o velho torpor me ludibriar novamente. Ou será a tontura?
Fui seguindo algo, enquanto algo me seguia. Não eram os olhares desconfiados de quem estava sentado; era algo que não sei como definir, mas que exisitia e me intrigava porque era muito óbvio.
Dei voltas e mais voltas; aquilo não me afetava em nada, e eu podia enlouquecer, ainda que lúcido. Todos, sem exceção, procuravam aquilo, e timidamente, olharam para o novo bêbado dançando no breu da noite.
Fechei os olhos e fui; até agora não cheguei.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Eu sabia.

Eu sabia, três minutos atrás;
Foram as luzes que piscaram demais enquanto eu dançava. Eu poderia estar bêbado, ou não; de todas as possibilidades, seria melhor dizer que eu estava livre, com os dois braços enrolados em mim, me segurando firme, como se eu fosse desaparecer pra sempre. A idéia foi se fortalecendo, talvez por causa do álcool, talvez por causa da luz.
E tudo fugiu, três minutos atrás, como se fosse demasiadamente errado eu me amar e não poder ficar comigo mesmo. Como se fosse um delicioso pecado incestuoso tocar os meus próprios lábios enquanto remexia ao som de uma musica que só tocava pra mim. Nossa, eu pulei demais; eu parecia ter vencido algo que eu só sei vencer quando desisto de tudo.
Durante três minutos, eu soltei o fio que me ligava diretamente com tudo. Foi uma simples queda rápida. Talvez tivesse sido o álcool, talvez tivesse sido qualquer outra coisa que outra pessoa possa um dia explicar melhor. Enquanto eu me desgarrava, eu sorria pro nada, por motivos secretos que me envergonham agora.
Alguns olharam e comentaram, outros nem me viram. Aconteceu, e eu acredito – já basta. Talvez fosse um dia difícil, talvez fosse o último dia de algo maior. Movia-se lentamente, mas não por causa das luzes, eu estava assimilando uma nova condição temporária.
Levou algum tempo para eu entender, afinal, ninguém me explicou, e eu talvez não esteja explicando mais. Foram três minutos de graça, que me abasteceram completamente de algo útil apenas a mim.
Agora, eu já não sei de nada, porque eu confessei pecados que foram inventados e que doeram enquanto eram vomitados. Foi tudo esquecido, só ficaram marcas. Toda a dor se dissipou e valeu a pena: estava forte. Agarrando-me percebi que eu era seguro e forte. Não demoraria muito para eu começar a querer sonhar.
Violei com as mãos o que pude violar, e sorri secretamente, do mesmo modo como eu olho para o nada e vejo coisas que ninguém consegue ver. Talvez tenha sido mentira, ou talvez tenha sido real demais para ser de verdade.
Chorei muito, por motivo algum; talvez ninguém tenha entendido: foram apenas três minutos particulares e irrecuperáveis. Minha falta de sentimento foi novamente abastecida, e eu ainda tenho uma eternidade inteira para chorá-los.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Cadarços

O sapato não cabia, mas vestia bem o seu pé, e por isso talvez ele andasse mancando. Quando sozinho, retirava o sapato, e por alguns minutos ele fazia caretas de dor, revelando apenas quando ninguem podia ver, como realmente era a cara da dor. Qualquer sinal de um conhecido, minimo que fosse, ele rapidamente os recolocava, dissimulando as caretas; eram sorrisos de mentira.
Um dia, alguem notou a dor por trás de tudo. Ele negou enquanto pode, mas no final, desistiu de mentir, e assumiu os pés calejados. A partir desse momento, se tornara livre e extremamente vuneravel a qualquer coisa que o machucasse.
Todos andavam de sapatos apertados, e no outro dia, quando ele apareceu com sandalias, todos olharam seus calos, com as mais diversas manifestações de horror. Ele mesmo, olhou para os próprios calos, e novamente fez as mesmas caretas de dor, dessa vez sinceras. Andou de cabeça baixa, por algum tempo.
Foi quando todos se acostumaram um pé com calos tão horriveis.
Pouco a pouco os calos sumiram, e uma vez que já não havia dor, não havia motivo algum para existirem caretas. Já que não havia mais calos, não havia motivo para abaixar a cabeça novamente. Viraram pés normais e livres.
Foi quando todos deixaram de dar nós do sapatos.
E logo, todos cairam, um por um, pisando um nos cadarços dos outros. Naturalmente, eles hoje andam descalços, e seus calos são maiores. Não adiantou manter os pés sobre tanta beleza. Eles sempre foram feios, e assim permaneceram escondidos dentro dos sapatos.
Pernas foram quebradas, e no gesso, várias assinaturas enfeitavam novamente pernas inteiras. Por algum tempo todas as assinaturas cobriam o branco estridente que denunciava uma queda. Os pés continuaram escondidos, e ninguem nunca pode afirmar que os calos continuaram por muito tempo, uma vez que o gesso cobria com desenhos uma falha.
Chegou o dia de algumas pessoas tirarem o gesso. O gesso não era necessário mais; então, algumas pessoas continuaram engessadas, fazendo-se de frageis. Foi quando elas mesmas tropeçaram na própria perna, caindo uma sobre as outras. Cada dia mais machucadas, elas mantinham todos os sinais de aparente fragilidade.
Então, quando todos estavam demasiadamente frageis, um rapaz movia-se, livremente, de pés descalços...

quinta-feira, 18 de junho de 2009

O aluno.

Ele riu, assim, do nada. Quase poderia dizer que ele estava rindo de felicidade; mas ninguém se atrevia. Um sorriso, nada mais, apenas isso. No entanto era tão difícil entender tudo aquilo. Nem mesmo ele deveria entender, afinal de contas, ele se isolava sempre. Nada o impedia de sorrir; mas parecia errado sorrir quando todos tinham motivos para não fazê-los. Talvez por isso tenha se distanciado daqueles rostos sorridente. Era impossível manter-se feliz quando não se sentia a vontade para fazê-lo.
Quando tudo começou, ninguém sabe. Aos poucos ele foi se isolando, ao mesmo tempo em que os outros faziam o mesmo. Não havia razão, ele apenas não se encaixava. Contudo, ele sentia uma leve satisfação em tudo isso. Qualquer um pensaria que ele não era aceito pelo grupo; ele gostava de pensar, ainda que pensassem que ele que estava errado, que o grupo inteiro que não era aceito em seu pequenino universo. Nada disso era desagradável, embora devesse ser; afinal vivemos em comunidade. Aonde ele pertence, então?
Quando tudo começou, ninguém sabe. Aos poucos ele foi descobrindo todo o prazer em seus pequenos segredos, com certo deleite. Nunca se atrevia a contar nada, e por isso o segredo valia tanto a pena. Ele era como um trem bala, passando por pessoas rapidamente, apenas vendo o borrão dos seus rostos e eventualmente olhando para trás com aquela nítida sensação de estar perdendo algo importante. Mas enfim, já passou mesmo.
Era o intervalo entre as aulas de Biologia e Língua Portuguesa. Exatos 20 minutos para fazer um lanche rápido enquanto se conversa com os amigos do colégio. Por certa razão sobre a qual nunca havia prestado atenção, sempre nos intervalos dessas duas aulas, ele se sentia mais alegre. Ao longo do ano, nem uma simples palavra foi trocada durante o intervalo dessas duas aulas. Nem mesmo um lanche rápido foi feito; ele apenas olhava indiferente para tantas pessoas alegres. E indiferente se mantinha; até demais.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Carmem Miranda

É, eu sonhei; descobri que tinha sonhado poucos segundos antes do despertador tocar. Tocar é gentil demais, na verdade ele realmente desperta e faz juz ao nome. Meus sonhos são usualmente enterrompidos, sem justificativa alguma; é o depertador cruel que eu mantenho em meu quarto – é minha a própria desculpa para não sonhar demais.
Ainda faltavam dois minutos. Hoje ele falhou, e eu ainda estou pensando; mesmo após o banho, mesmo após o café da manhã; mesmo agora, ainda penso. É, sem duvida, eu sonhei – e foi um sonho muito feliz, pois eu acordei sorrindo, e sorrindo permaneci por dois minutos. Dois pequenos minutos, que ainda sobravam entre eu viver e eu sonhar. Eu pensava, eu pensei, eu ainda penso.
Dois minutos antes de dormir eu não imaginei que ia sonhar. Nesse tempo curto, eu nem sei se pensei direito ou se apenas me deixei levar. Foram dois minutos que se foram e agora precisam ser preenchidos. Dois minutos sorrindo é mais do que eu posso sorrir; é mais do que eu mereço ter – dois minutos são demais pra qualquer sonho; eles duram pouco.
Então, ele toca, ou melhor, desperta. Ele falhou na sexta feira; é o que marca o calendário. Toda sexta-feira ele falhará novamente. Ainda que nem ao menos atrase um segundo sequer, eu lembrarei da sexta-feira em que ele faltou com a promessa de me manter sem nenhum pensamento e sem nenhum sonho. É, eu sonhei, ele falhou.
Então, ele decide parar de tocar, ou melhor, ele já não desperta, pois eu já me despertei. Eu me encho de coragem para poder enfrentá-lo mais dois breves minutos. E por mais dois breves minutos, eu me atraso novamente, atrasando o relógio. Agora, o relógio vai estar atrasado todos os dias, por dois minutos que fazem toda a diferença. Eu penso, eu sonho, eu me permito atrasar o relógio.
Dois minutos já se foram, e o despertador toca novamente. Quanto desafio! Mais uma vez ele toca, ou melhor, mais uma vez ele lembra que já é hora de despertar. Mais dois minutos? Sigo o ponteiro amarelo lentamente dando uma curva. Sigo novamente o ponteiro amarelo, dessa vez, mais rápido: é a segunda e última curva.
Seria uma última curva se os 360° fossem completos. Não foram, deixaram de ser. Até seria uma curva completa se eu não atrasasse novamente o relógio que continua me atrasando. É, eu sonhei, e a culpa foi do despertador que agora trabalha feito escravo, voltando no tempo, ou melhor, despertando.
Então, mais dois minutos. E mais dois. E mais dois. E mais dois. E mais um noite. E mais um dia. E mais uma outra noite. E mais outro dia. E mais uma semana. E mais um feriado. E mais outra semana. E mais outro feriado. E mais isso. E mais aquilo. E mais um mês. E mais um ano. E mais dois minutos. E mais dois minutos. Parou?
O relógio cansa, e já não desperta. Olho para as mãos cansadas: sou velho demais. Metade da vida passou, e a outra metade está passando. Mais dois minutos pensando, e pensando, e pensando. E então, um anjo me estende a mão: é a Carmem Miranda me chamando; tenho certeza. Ela canta, ela dança, ela flutua, ela sorri. Tenho certeza, é a Carmem Miranda, e ela vai falar alguma coisa. Ela diz...
- Triiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii.
O despetador toca, ou melhor, desperta: era hora de acordar.

terça-feira, 26 de maio de 2009

333

Dois prédios se confrontam diariamente em uma avenida. Alinhadas na vertical, uma contra a outra, 50 janelas são diariamente abertas pela manhã e fechadas no final da tarde, exceto em dia de chuva, quando não é sequer permitido pensar em abri-las. As pessoas encarregadas de abrir as janelas costumam chegar antes de todos, no primeiro ônibus da manhã. Ambos os prédios tem suas portas abertas as 08:00 na avenida principal e os empregados não costumam entrar pela porta da frente – essa é a ordem, vinda de alguém superior que não gostam de meras copeiras e faxineiras incansáveis e prestativas. Os empregados mais importantes se encontram na parte de trás dos prédios. Alguns observam o nascer do sol, outros apenas descansam as cabeças na parede de pedra. Prolongam ao máximo o início do expediente. Hora após hora, chegam pessoas diferentes, das mais diferentes tarefas, fazendo as coisas diferentes. Indiferente a tudo, a senhora ruiva nunca abre sua janela; é, na verdade a única pessoa diferente de todos. Então, o cotidiano do prédio os prédios é exatamente o mesmo, exceto pela senhora ruiva, que nunca abre a janela.
Há 49 janelas abertas e faz um belo calor sufocante. Enxergo do outro lado da avenida o meu próprio reflexo tentando trabalhar no mais novo projeto multimilionário encomendado para resolver o problema do trânsito caótico da cidade. Pela minha janela, tudo é cinza, e a única coisa que consigo sentir é o brilho do cabelo da senhora ruiva, ao longe. Nem o sol brilha tanto, nem mesmo consegue dar vida a demasiada morte característica da cidade. A janela fechada me impede de enxergar mais e me obriga a voltar minha cabeça às várias idéias que saiam organizadamente da minha cabeça.
Já não há mais idéias organizadas enquanto uma janela permanece fechada diante o brilho inspirador.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Um passaro no chão

Encostado na parede, ele engolia passivamente o que o tempo lhe empurrava pela boca. Uma breve crise de idade, logo passaria e justificaria todos os comportamentos de outros dias passados. Ansioso, tentava dormir; amanhã era o grande dia pelo qual ele esperava. Ao olhar a janela viu pela primeira vez a cidade dormindo. Chovia calmamente e rápidos clarões cintilavam o céu. Apenas ele sentia, ou o mundo estava acabando mesmo?
Acordou cedo, quase tão cedo para ver as últimas gotas de chuva caírem. Fazia o frio da adolescência acordando para a escola, e, ao se lembrar, sentiu no peito o amargo dos anos. Sentou na cama encostada na parede, com as mãos fechando um belo laço no joelho. Encolheu-se e tentou não pensar em nada, mas era tão impossível que se viu obrigado a pensar novamente no dia de hoje.
Anos atrás, no delicioso frio das manhãs de adolescente que tivera, ele acordou feliz: formatura. Levantou cedo, venceu o frio e foi para a entrega do diploma. A mãe chorou, o pai chorou, ele chorou. Finda a cerimônia poderia pensar em conquistar seu objetivo: presidente da empresa de calçados mais famosa da cidade. Ano após ano, determinado, se esforçou incansavelmente para chegar ao mesmo frio das manhãs e lembrar-se de toda a vida.
Os pássaros despertavam; já não era tão cedo. Passaram-se 30 minutos muito longos antes dele ir banhar-se e fazer a barba. No espelho, o reflexo de um homem sem vida; um objetivo que acabou virando ele. As verdades apareciam timidamente pelo canto do olho: uma única lágrima, gorda e quente, como as lágrimas derramadas pelo fim do noivado. Olhava-se espantado por estar chorando; corou de leve, e vestiu-se, encerrando por vez o espetáculo bizarro fornecido por poucos minutos pelo espelho.
Horas mais tarde, já no incontrolável calor da noite, estava mais calmo. Foi nomeado presidente! Pessoas importantes compareceram, dentre elas a noiva orgulhosa e ainda magoada e a mãe, que chorava olhando para o menino determinado. Venceu na vida e deixou todos orgulhosos.
Uma hipócrita recepção ofertada pela empresa dentro do seu próprio apartamento trouxe certa alegria para o ambiente morto. Flores tinham sido colocadas, e tudo tinha certo tom de diferença: aquilo não era a sua casa, mas o fazia sentir-se melhor. Era o sonho de uma vida vazia, deveria então, ser algo anormal e satisfatório. Empregados serviam bebidas e salgados em bandejas de prata. Tudo era cordial e levemente falso; a combinação perfeita para uma noite memorável.
Juntou-se a janela, e lá ficou parado por alguns momentos, saboreando uma deliciosa bebida em um copo de cristal e observando o movimento de carros do lado de fora. A mulher que um dia foi sua noiva encostou sobre seu ombro e segredou palavras de carinho e afeto seguidas de um belo e sincero sorriso que iluminava belamente a sua face clara; não havia ressentimento algum por parte dela e em meio a tantos sentimentos figurantes, ouvir o perdão de alguém o fez sentir-se um pouco melhor.
A mulher o deixou sozinho, saboreando a vitória com a ânsia que todos pensavam que ele sentia. Então, ao cabo de alguns minutos, a verdade escapava duas vezes no mesmo dia pelo mesmo olho. Outra lágrima exatamente igual a antecedente caia em movimentos lentos, manchando o rosto do homem sem objetivo. Bebeu um último gole e sentou o a taça perto de uma luminária alienígena e um belo vazo de planta artificial em cima de uma mesa encostada no canto, perto da varanda, e num movimento de despedida, se jogou da sacada, almejando novos vôos.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Um rosa no meio

Um belo crepusculo, inevitavel. Sentado em uma pequena mesa dedonda, na minha frente, estava ele, homem sem nome, sem destino, sem dono. Atravessando a janeça o laranja do sol ia contra a sua cara perfilada, absolutamente majestoso. Em uma mão, o livro, na outra uma xicara, e no centro de tudo, uma charmosa rosa branca.
Relaxei os cotovelos sobre a minha mesa e fiquei olhando. Ao passo de algum tempo, ele virou os olhos e me flagrou; era o começo da sua total desconcentração. Com trabalho tentou voltar ao livro, mas já estava vencido. Relaxou os braços e largou o livro; me olhava agora, segurando sua xicara charmosa entre as duas mãos.
Duas mesas, uma em frente a outra, duas pessoas, uma olhando a outra, e no centro de tudo, duas rosas. O garçon passou e eu disse algo no seu ouvido; mas uma de minhas cantadas baratas. Timido, o homem foi em direção a ele, totalmente corado. Disse por mim, ainda muito timido, o que eu lhe segredava. Ele riu, e segredou outra coisa ao homem. Uma coisa que nunca cheguei a saber o que foi, levantei enquanto o garçom ainda caminhava a mim. Dei um tapinha no seu ombro e dispensei seus serviços com um sorriso elegante.
- Posso?
-Claro.
-É café?
-Chá.
-Não gosto de chá.
-Camomila, toda noite.
Bebeu um pouco mais, e mais um pouco, e o final. Então, sorriu. Os nossos cotovelos na mesa, eu olhava, eu me apaixonava sem amor, apenas por diversão. Ele aproximou, chegou bem perto e olhou. Fiz o mesmo. A dama, o vagabundo e a rosa entre os dois. Então, seus labios nos aproxima va, até que, subitamente, um beijo. Apenas um, e fim do sonho.
Madrugada, acordei com gosto de Camomila na boca.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Brilho de um sabado próprio

Semana após semana ela travabalha, restando somente o domingo para rara folga. Uma rotina dura para uma mulher que costumava ser sensível quando mais jovem. Onde havia ela mesma dentro dela? Perguntava a si mesma, procurando uma resposta na imensidão dos seus dias infinitos. Assim foi sobrevivendo com seu extremo raro muito e seu insatisfeito sempre pouco.
Era metade de um sabado, não um inteiro, porque ainda restava o escuro da sexta-feira, mesclando nas nuvens uma aqualera inenarrável, e indescritivelmente linda. A sexta-feira se trsnformava em sábado mais uma vez, e ela jazia imovel na janela, olhando tudo aquilo, procurando no céu algo importante que deveria estar dentro dela.
O sabado se fez por completo. Vê-lo se transformar não foi mais que perda de tempo; a única coisa que achou foi o atraso que não poderia acontecer naquela manhã. Olhar o milagre do dia não era nada mais que o choque de suas lagrimas incoerentes com o frio torturante da manhã que se formou diante de seus olhos.
Cansada, foi ao banho quente. Ligou o chuveiro e fez chover gotas de pecado que a banhavam com a mentira que ela vivia. Aquela não era ela, não poderia ser; impossivel. Como se não aguentasse mais, gritou e se ajoelhou no chão molhado. Estava cansada, mesmo com a noite calma de sono, estava ainda cansada. Ela apenas não sonhava mais como fazia antigamente. Um a um, seus sonhos secaram, e as gotas d’água so lembravam isso.
Então, findo o banho foi ao trabalho. E findo o trabalho, retornou a sua vida. O sábado a empurrava rapidamente para o fim. Curiosamente o dia passou mais rápido, e então, estava ela novamente olhando o fim da tarde e o começo da noite com a melancolia esquecida pela manhã. Pouco a pouco ela ia reparando que aquilo a fazia mais feliz. E ser mais feliz é toda a felicidade que ela poderia ter, era seu tesouro que não cabia dentro dela e teria que dividir com alguém.
O gato dormia solenemente e logo ela o descartou. Não tendo mais ninguém disponível, foi a varanda de sua casa olhar o pôr-do-sol. Sentou-se na cadeira e lá ficou, contando a ela mesma o quanto feliz ela estava, como se isso fosse um grande crime, o que lhe acabava de render uma cara de culpa e prazer. Ela era, enfim, egoista. Toda a felicidade que sentia, pouco a pouco ia transferindo, como se contasse o maior segredo do mundo, para ela mesma. Uma mulher que jazia morta dentro do peito.
Então, voltou a cozinha e espantou o gato do seu sono. Ele a olhou ferozmente, com raiva, jurando vingança. “Gatos são assim, vingativos” - pensou. Pegou uma cerveja na geladeira, coisa que não fazia a muito tempo e voltou para a imensidão do fim da tarde. Sua única pretensão era ser uma bebada, nada mais que isso. Uma vadia que atrai olhares e atenção para ela mesma, enquanto os outros lhe cedem poucos segundos de repreensão.
Estava fora de si, e os vizinhos já cediam os segundos, apontando a risada infernal da mulher. Ela ria alto, porque quase nunca fazia isso. Então, ela ria mais alto, desafiando a si mesma a ser mais feliz do que se sentia. Então, tudo virou um circo, e qualquer um que passava no fim daquela tarde via a mulher na imensidão da tarde que se acabava. Agora, além de bebada ela era louca, pois gritava a quem quisesse ouvir os absrudos cometidos por ela, contra ela.
Por fim, escureceu. Cara mista de vergonha e orgulho. Deitou-se na cama, já sem felicidade alguma. A festa tinha seu fim. Ainda sorrindo sem motivo, orgulhava-se de não ter fumado cigarro algum.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Encontro marcado

Foram 15 minutos antes do combinado. Ele estava sentado, com um boque de rosas vermelhas, disposto a amá-la novamente, feliz por ter tido uma chance; na outra mão ele amassava em uma pequena bola toda a dor e toda a culpa que ele sentiu nas últimas semanas. Então ele dividiu sua vida em duas: a pequena parte na qual ele fora feliz insistentemente e o resto que naquele momento não tinha importância; ele apenas ia esquecer tudo em nome do amor que sentia. Foram 15 minutos de tremenda alegria que se agregava vivamente a ele. Tanto lutou, tanto quis, tanto fez e estava prestes a conseguir. Então, começou a dividir os 15 minutos, como estava fazendo com a sua vida anteriormente.
Os cinco primeiros minutos foram rápidos e felizes, de expectativas. Ensaio de gestos, beijos, imaginação de possíveis erros e seus possíveis consertos; os cinco minutos do futuro que sonhou ao lado da mulher pela qual esperava. Os cinco minutos seguintes não foram apenas cinco minutos; foram três minutos em meio que sobravam em cinco. Passaram rapidamente, e duraram séculos, foram os segundos mais complicados de existir; estavam neles os momentos de extrema dor pela qual passou, e cabia nesses segundos o vazio pelo qual ele se submetia insistindo em amar alguém que não fosse ele.
Os últimos cinco minutos não foram completos. Pertenceram a ele o tempo total e a triste tarefa de se levantar e caminhar praça afora, deixando no banco a felicidade pela qual andava procurando. Foram cinco minutos sem fim; incompletos e interrompidos. Tão secos como toda a dor que ele sofreu por abandoná-los sem saber o que teria acontecido caso ficasse. Esses tristes minutos infinitos o levaram para outra vida, o deixaram desamparado em casa; não acabaram e o visitam de madrugada.
Foram 15 minutos depois do combinado. Ele já estava em casa, acabara de rodar a chave na porta e viu, por dentro de seu apartamento, uma carta. Ela desculpava-se, mas tinha encontrado um amor que não era ele. Sorriu então, e voltou a viver sozinho com ele mesmo.