quinta-feira, 30 de julho de 2009

Feliz ano novo ?

Eu não havia conseguido dormir; isso é sempre ruim, porque com certeza eu não vou conseguir dormir na próxima noite também. Liguei aquele lindo abajour, e uma luz amarela lembrou que eu estava sozinho na cama. Fazia muito frio lá fora, mas mesmo assim, o ar-condicionado estava ligado no volume mais alto. Eu nunca tinha reparado como aquelas cobertas de lã me faziam ter bons sonhos durante aquela semana inesquecível. Levantei meu olhar para todos os detalhes do quarto. Meses atrás eu tinha visto as fotos da pousada, e tudo que estava na foto, permanecia ali, como se fosse um lembrete de que aquele lugar era meu e de mais ninguém. Tudo estava bagunçado, claro, afinal de contas, se tudo ali fosse impecável não teria a mínima graça. Contudo faltava uma mala e algumas peças de roupa.
Lentamente, sentei na cama, com as pernas cruzadas dentro da coberta. Pus o dedão na boca e comecei a roer a unha, como se aquilo fosse a única coisa que pudesse ser feita. Quando já não havia mais unha, pus os pés no chão, e, de mansinho, abri a porta da varanda, tomando todo o cuidado para não acordar alguém que já não dormia mais ao meu lado. Olhei para trás e constatei: era apenas eu, novamente, na véspera de ano novo, no lugar mais lindo do mundo.
Senti a diferença de temperatura no momento em que abri a porta. Chuviscava, e o ar úmido da madrugada me roubava um beijo por segundo. Alguns passos lentos em direção àquela que deveria ser a visão mais perfeita para um casal em lua de mel: a lua, o mar, o negro das árvores, pássaros no céu. Então, eu deixei a dor sair e chorei uma única gota de dor, que no final, acabou se perdendo nas gotas frias da chuva. De repente, como se despertasse, acordei, e vi que tudo era real. Naquele momento, cabia apenas voltar a dormir; mas não era o bastante. Permaneci, então, acordado, sentando, escutando as gotas caírem com o fim da noite.
Deveria ter bebido algo forte; seria um belo porre. Mas não transferir minha culpa pra ninguém. Eu estava errado, eu deveria pagar pelos meus erros, e me custava admitir estando sóbrio. Normalmente, eu não passo de uma pessoa segura, que se esconde dentro da própria insegurança. Mas naquele dia, eu estava incrivelmente forte. Eu só deveria pensar o máximo possível. Então, sentei no chão, com as costas apoiadas na madeira do quarto, e quando pensei no que pensar, minha cabeça caiu para o lado, e imediatamente cochilei.
E no próximo segundo, já era dia. A baba escorria da pela boca, e os olhos ardiam. O sol nascia tão perto de mim, que, inconscientemente, andei feito sonâmbulo em direção ao mar. Atravessei a trilha de árvores e cheguei à praia. A areia estava incrivelmente fria. Sentei, ainda de pijamas sobre algumas folhas, abraçando minhas pernas, como se elas fossem a única coisa a que um naufrago pudesse se agarrar, e quando o sol estava bem alto decretando o nascer oficial do dia de ano-novo, eu levantei e caminhei em direção ao mar.
As ondas levavam à areia molhada embaixo dos meus, e a cada nova onda, eu me afundava um pouco mais. A sensação era agradável, mas durante alguns minutos, eu pensei em realmente me afundar de verdade. Enquanto me decidia, sentia o salgado na boca trazido pelos ventos fortes. Algumas pessoas apareceram no outro lado da praia. Eles apenas riam e caminhavam, como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. Era o último dia do ano, e parecia ser o ultimo dia da minha vida também.
Havia areia na altura da minha canela, e quando essas pessoas se aproximaram, me retirei, com dificuldade, daquele buraco recém-formado. Fui mais fundo, até onde a água cobria minha cintura. Lá fiquei, até tomar coragem de ir mais adiante. Teria eu coragem de ir mais adiante? A cada segundo, mais e mais pessoas chegavam. E de repente, eu acordei, pela terceira vez naquele dia. Então, como se estivesse despertando, voltei acompanhado pelos olhares curiosos de todos para a pousada. Naquela hora, eu era um maluco qualquer, de pijamas molhados.
Deitei.
Esperei alguma coisa acontecer. Tentei fazer algo acontecer, mas tudo permanecia dentro do enorme vazio sem significado do último dia do ano. Então, pela segunda vez naquele dia, eu dormi.
Acordei no segundo seguinte, mas não era mais dia. O final da tarde foi enfeitado pelas várias pessoas se divertindo em um possível luau. Sim, o luau me magoava; planejei tanto, e agora ele era apenas uma lembrança de algo ruim. Fui à varanda, e observei o fim da tarde, que não chegava nunca. Naquele lugar, as horas eram difusas. Uma hora cabia dentro de vários momentos de eterna felicidade. Às vezes, a tarde virava noite e manhã, tudo em uma única hora. Eu sentia as costas ardendo, e o gosto do sal. Não ventava, fazia calor; ali o tempo seguia regras.
Então, em um único segundo de distração, a tarde voltou a ser jovem novamente. Suas luzes já não eram mortas, e sim, ofuscantes e belas. Tudo seguido da eterna melancolia indecifrável de coisas belas e infinitas. O que eu deveria fazer? Procurava essas respostas dentro de mim, mas não as achava. Talvez não houvesse resposta, e eu só devesse estar parado, esperando algo acontecer. E foi justamente isso que eu fiz.
No próximo segundo, o céu estava roxo. De longe, eram visíveis as tochas de bambu, dançando no escuro, anunciando o lugar da grande festa que em nada me atraia. De sopetão, levantei e caminhei em direção oposta as luzes, ainda de pijama até o outro lado da ilha. Quanto mais eu me distanciava, mais escuro ficava, e em poucos segundos, tive a nítida sensação de estar sendo seguido. Era tudo tão deserto; nada indicava que do outro lado havia pessoas celebrando a vida. Era perfeito! Sentei e estiquei as pernas, apoiando-se em mim.
Ainda havia luz, quando escutei algum barulho na floresta. Não senti medo, todo mundo ali queria um fim de algo, e comigo não foi diferente. Se fosse alguém terrível, me mataria, e tudo acabaria. Nada seria diferente, eu apenas não sentia medo, pois tudo já havia perdido significado. Não reagi, apenas permaneci parado, sorrindo.
Foi quando uma mão pousou no meu ombro, e pela quarta vez naquele dia, eu dormi.
Acordei, não sei quando, com a certeza de que eu havia dormido demais. Isso é ruim, porque com certeza, eu não conseguirei dormir na próxima noite também. Liguei o abajour, e aquela luz amarela me fez lembrar que deveria não ter ninguém ao lado da minha cama. Mas havia, e era quem nunca deveria ter saído. Chorava, e por trás dos cabelos que tanto me agradavam, vi, pela janela, o céu explodindo em fogos de artifícios. Era um ano novo, que parecia ser o melhor de todos o que eu já havia tido.

sábado, 25 de julho de 2009

Fechar os olhos.

Eu guardava minhas mãos embaixo da mesa, e fazia gestos escondidos. Gestos desprovidos de qualquer significado lógico, que de certa forma me salvavam de exprimir palavras. Ludibriado, senti o mundo ficar lento a cada segundo; nessa hora eu ria em segredo – mas ninguém nada via. Logo, eu abaixava a cabeça e via meus proprios gestos se modificando.
Ao levantar a cabeça, nada era lento; tudo fazia algum sentido que eu ainda não entendia. Havia perdido alguns segundos importantes que faziam as pessoas rir antes do silêncio constragedor de quem senta a mesa para beber com desconhecidos.
Alguém coloca as mãos sobre a calça e lança um olhar de desejo para o copo de cerveja; tudo se resume aquilo. Todos bebem; acabou. Lenvanto-me, sentindo o velho torpor me ludibriar novamente. Ou será a tontura?
Fui seguindo algo, enquanto algo me seguia. Não eram os olhares desconfiados de quem estava sentado; era algo que não sei como definir, mas que exisitia e me intrigava porque era muito óbvio.
Dei voltas e mais voltas; aquilo não me afetava em nada, e eu podia enlouquecer, ainda que lúcido. Todos, sem exceção, procuravam aquilo, e timidamente, olharam para o novo bêbado dançando no breu da noite.
Fechei os olhos e fui; até agora não cheguei.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Eu sabia.

Eu sabia, três minutos atrás;
Foram as luzes que piscaram demais enquanto eu dançava. Eu poderia estar bêbado, ou não; de todas as possibilidades, seria melhor dizer que eu estava livre, com os dois braços enrolados em mim, me segurando firme, como se eu fosse desaparecer pra sempre. A idéia foi se fortalecendo, talvez por causa do álcool, talvez por causa da luz.
E tudo fugiu, três minutos atrás, como se fosse demasiadamente errado eu me amar e não poder ficar comigo mesmo. Como se fosse um delicioso pecado incestuoso tocar os meus próprios lábios enquanto remexia ao som de uma musica que só tocava pra mim. Nossa, eu pulei demais; eu parecia ter vencido algo que eu só sei vencer quando desisto de tudo.
Durante três minutos, eu soltei o fio que me ligava diretamente com tudo. Foi uma simples queda rápida. Talvez tivesse sido o álcool, talvez tivesse sido qualquer outra coisa que outra pessoa possa um dia explicar melhor. Enquanto eu me desgarrava, eu sorria pro nada, por motivos secretos que me envergonham agora.
Alguns olharam e comentaram, outros nem me viram. Aconteceu, e eu acredito – já basta. Talvez fosse um dia difícil, talvez fosse o último dia de algo maior. Movia-se lentamente, mas não por causa das luzes, eu estava assimilando uma nova condição temporária.
Levou algum tempo para eu entender, afinal, ninguém me explicou, e eu talvez não esteja explicando mais. Foram três minutos de graça, que me abasteceram completamente de algo útil apenas a mim.
Agora, eu já não sei de nada, porque eu confessei pecados que foram inventados e que doeram enquanto eram vomitados. Foi tudo esquecido, só ficaram marcas. Toda a dor se dissipou e valeu a pena: estava forte. Agarrando-me percebi que eu era seguro e forte. Não demoraria muito para eu começar a querer sonhar.
Violei com as mãos o que pude violar, e sorri secretamente, do mesmo modo como eu olho para o nada e vejo coisas que ninguém consegue ver. Talvez tenha sido mentira, ou talvez tenha sido real demais para ser de verdade.
Chorei muito, por motivo algum; talvez ninguém tenha entendido: foram apenas três minutos particulares e irrecuperáveis. Minha falta de sentimento foi novamente abastecida, e eu ainda tenho uma eternidade inteira para chorá-los.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Cadarços

O sapato não cabia, mas vestia bem o seu pé, e por isso talvez ele andasse mancando. Quando sozinho, retirava o sapato, e por alguns minutos ele fazia caretas de dor, revelando apenas quando ninguem podia ver, como realmente era a cara da dor. Qualquer sinal de um conhecido, minimo que fosse, ele rapidamente os recolocava, dissimulando as caretas; eram sorrisos de mentira.
Um dia, alguem notou a dor por trás de tudo. Ele negou enquanto pode, mas no final, desistiu de mentir, e assumiu os pés calejados. A partir desse momento, se tornara livre e extremamente vuneravel a qualquer coisa que o machucasse.
Todos andavam de sapatos apertados, e no outro dia, quando ele apareceu com sandalias, todos olharam seus calos, com as mais diversas manifestações de horror. Ele mesmo, olhou para os próprios calos, e novamente fez as mesmas caretas de dor, dessa vez sinceras. Andou de cabeça baixa, por algum tempo.
Foi quando todos se acostumaram um pé com calos tão horriveis.
Pouco a pouco os calos sumiram, e uma vez que já não havia dor, não havia motivo algum para existirem caretas. Já que não havia mais calos, não havia motivo para abaixar a cabeça novamente. Viraram pés normais e livres.
Foi quando todos deixaram de dar nós do sapatos.
E logo, todos cairam, um por um, pisando um nos cadarços dos outros. Naturalmente, eles hoje andam descalços, e seus calos são maiores. Não adiantou manter os pés sobre tanta beleza. Eles sempre foram feios, e assim permaneceram escondidos dentro dos sapatos.
Pernas foram quebradas, e no gesso, várias assinaturas enfeitavam novamente pernas inteiras. Por algum tempo todas as assinaturas cobriam o branco estridente que denunciava uma queda. Os pés continuaram escondidos, e ninguem nunca pode afirmar que os calos continuaram por muito tempo, uma vez que o gesso cobria com desenhos uma falha.
Chegou o dia de algumas pessoas tirarem o gesso. O gesso não era necessário mais; então, algumas pessoas continuaram engessadas, fazendo-se de frageis. Foi quando elas mesmas tropeçaram na própria perna, caindo uma sobre as outras. Cada dia mais machucadas, elas mantinham todos os sinais de aparente fragilidade.
Então, quando todos estavam demasiadamente frageis, um rapaz movia-se, livremente, de pés descalços...