quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Minha mãe é um sapo

Durante algum tempo fora chamada de bruxa por todos. As mesmas bocas malditas que a profanavam não conseguiram provar mentira alguma. Disseram, por algum tempo, que também era louca. Talvez até fosse louca – isso não importava - mas quem nunca desejou pertencer a um mundo próprio. Disseram também outros absurdos mais vulgares. Era apenas algum reflexo da nova situação, ou até mesmo inveja, pois a nova vizinha era muito bela. As Bocas Malditas falavam, insultavam. Nunca falou com nenhum vizinho. Despertou a raiva humana, por preferir não se socializar. Causara, apenas por ser diferente, raiva. Estive me perguntando por que nunca falou com ninguém. Talvez não fosse uma escolha pessoal, mas sim dos vizinhos. Não suportava o clima agradável de bom companheirismo daquele lugar calmo e alegre. Hoje em dia, tudo tão calmo e alegre daquele jeito é tão raro; nada mais é assim, exceto aquele lugar. Nunca houve uma briga sequer por lá. Não havia lugar para diferenças. Era um mundo não particular a ela, um novo mundo, desconhecido. Aos meus olhos, nunca houve nenhum problema com a suposta bruxa. Até achava interessante uma bruxa na vizinhança. Se ela fosse realmente uma bruxa, eu gostaria de ser auxiliar de feitiço; afinal, deve ser estressante ser um ser raro nesse mundo tão comum. Inclusive, até gostaria de transformar alguns humanos em sapos. Conheço alguns sapos que foram transformados em seres humanos, mas não deveriam ter sido. Tenho certeza que também sou capaz de transformar humanos em sapos. Colocar tudo em seu lugar, como deve ser. Tenho certeza que a bruxa já transformou algumas pessoas, pois há muito sapos onde moro. Quem sabe sou um sapo. Penso tantas asneiras. Digo-me vivo, sem saber exatamente o que isso signifique. Penso coisas ruins sobre meus vizinhos, que não gosto. E já adoro uma bruxa que mal conheço. De certo, era a mais bela bruxa da cidade. Em uma de suas raras passagens pela rua, a cumprimentei. Ela fixou seus olhos de bruxa dentro dos meus olhos de medo. Levantou a sobrancelha esquerda, e sorriu. Senti medo de um sorriso de bruxa, talvez o sorriso estivesse enfeitiçado. Andou alguns passos, e parou. Corri rápido, como se meu mundo estivesse caindo. Estacionei em sua fronte, e retribui o sorriso. Como resposta, ela me deu uma bala. A bala estava enfeitiçada, eu sabia. Era verdade, era bruxa. Guardei meu tesouro, com muito carinho, em um esconderijo secreto embaixo da cama, dentro de uma caixa de sapato. Não há em minha casa bagunçada esconderijos de outras pessoas; todos eles são meus e secretos. Estava decidindo ainda quem teria o destino interrompido, transformado por mim em um sapo. Nunca tive tesouro algum, apenas aquele. Ainda não sei o que me fez mais feliz: o prazer de ter a bala, ou a autoridade que tinha para ministrá-la. Esperei o momento certo para transformar alguém em sapo. Existe momento certo pra ser transformado em sapo? Senti medo. Esperei a bruxa passar mais uma vez. E antes que pudesse falar algo, ela retirou a bala e me deu outro sorriso. Eram duas balas, duas vitimas. Decidi guardar, e usar apenas quando fosse o momento certo, mesmo não havendo momento certo. Embaixo da cama, residia um feitiço, uma bala vermelha. A bala que a bruxa me dera, era azul. Seria o mesmo feitiço? Guardei a bala azul, junto da outra, dentro da caixa. Em outra tarde, recebi mais algumas balas. Algumas tinham duas cores, outras eram escuras, outras claras; uma verdadeira coleção.

3 comentários:

Anônimo disse...

Eu tbm conheço vários sapos que foram transformados em seres humanos ...muitos mesmo ...hehehe

Heyner Mercado disse...

Depende do que é, numa visão mais ampla, a definição de sapo ou humano. Eu prefiro ser sapo, no meu mundo, na minha particularidade caranguejescorpiana (se não existe essa palavra, acabei de inventar), no meu infinito que criei, dentro de mim. É bom quando a gente reconhece que somos, afinal, diferentes. Não há ninguém igual a nós nesse mundo, nem irmãos gêmeos, nem almas gêmeas, nem baboseiras de livrinhos bestas de valor literário inexistente. Existem pessoas que se parecem com a gente, fato. Mas nunca haverá uma repetição, e é por isso que a vida é tão intrigante, exasperante e ao mesmo tempo interessante: A gente nunca sabe ao certo qual será a reação das pessoas diante de nossas atitudes, por mais previsíveis que elas possam parecer ser. A gente se surpreende todo dia, surpresas, surpreendentemente (duuuur) não me surpreendem mais (!)
Nunca temi bruxas e bruxos. Sempre fui um, afinal.
Em algum momento da vida, acabamos sim tomando atitudes que podem ou não marcar nossas vidas, algumas entrelinhas não passam de eufemismos para mostrar, no final das contas, que inevitavelmente somos exatamente aquilo que somos, e não há saída. Não adianta se rebelar contra si mesmo, nem adianta espernear feito uma criança. Ao final de tantos pensamentos e conversas diárias que temos com nós mesmos, chegamos invariavelmente às mesmas repetitivas conclusões: Somos aquilo que gostamos numa pequena parte, e a maioria é constituída por coisas que somos, e que evitamos ao máximo ser. E a despeito desse esforço descomunal de remar contra a maré, foram justamente as características que mais se destacaram.
C'est la vie...
O importante é se achar fodão :D

- maaah cavalcante. disse...

juro que passei o texto no inicio e pulei direto pro final... quando eu cheguei no final eu nao resisti e li o texto por completo *.*
e logo depois li todos os outros... bom eu gostei :D
pensei em fazer um também... ms acho que vou deixar pra depois ^^
beeeijo :*