sábado, 13 de dezembro de 2008

Jucilene Maria

Ainda havia um resquicio de felicidade no seu rosto. Algo que durou por tempo incontável, e que naquele momento, com a passagem do carro de som, a fez lembrar que a vida não se resumia à pilha de louça suja a sua frente. Poderia ser extremamente linda, como a foto da cachoeira que o mês de novembro expunha tão alegremente para ela, ou poderia ser extremamente deprimente, tal qual agora estava.
Lavar louça a causava dor, ela refletia sobre qualquer coisa e tudo que era possível. Talvez fosse esse o momento em que ela estivesse completamente sozinha, pensando apenas no que ela havia se tornado, mas, principalmente, no que ela gostaria de se tornar; nada tão grandioso, apenas rainha do lar, dona da sua própria prataria, da sua própria vassouras, do seu próprio livro de receitas.
Lavando mais e mais, a cada dia, ela cogitava hipóteses. Algumas eram realmente válidas, outras nem tanto. Segredou tudo; era tudo absurdo, um dos grandes dessa vida, onde já se viu, alguém como ela, rainha do lar, certamente diriam. E manteve o segredo tão bem guardado, que ele acabou por integrar-se a ela como uma idéia maluca.
A mão áspera, sem direito a hidratante, sem direito a dor, apenas marcada pelos serviços domésticos. Poderia praticar piano; sempre a acalmou. A pia ainda não estava completamente limpa, tudo era válido, então. Ser senhora de si mesma não pareceu uma idéia ruim, se a patroa podia, porque ela não? Seu sorriso era lindo, ela era linda, mesmo disfarçada de emprega doméstica.
Chegou a última penela, algo não tão imundo, mas sem brilho. Ainda presa a seus pensamentos, demorou o máximo que pôde limpando, e quando já não havia nada mais para limpar, ela se viu refletida no fundo da panela. Ela se fazia brilhar de verdade, espetáculo magnifico. Viu-se como nenhum espelho poderia lhe mostrar, viu-se algo incrivelmente maior, não só de se limitar a panelas sujas. Lembrava sua mãe, tinha a cara truncada e forte.
E foi com a cara truncada e forte que ela voltou aos outros afazeres domésticos.

Um comentário:

Séphira disse...

Ei! Tem fotos do laboratorio no meu bloguete! Hihihi!