quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Ela era assim.

Eu era infinitamente mais sensível que ela, mas em compensação ela sabia maltratar todo mundo, principalmente a mim, com aquele olhar fixo de quem prever o futuro. Eu nunca a vi chorar, acho inclusive que ela nunca chorou, já eu choro por tudo, mesmo quando não devo. Eramos crianças, totalmente inocentes e sinceros. Quando lembramos o que falavamos um ao outro, perdoamo-nos por tudo, mas lá no fundo sabemos que esse perdão é mais falso que aquela felicidade fingida quando ela soube que eu tirei uma nota maior em Português. Eu era tudo o que ela queria ser, e eu queria ser tudo o que ela mais detestava nela mesma.
Ela quebrou meu boneco favorito, e eu chorei em frente àqueles olhos malígnos. Ela consegiu me fazer inferior, e sempre que olho pra ela eu vejo o corpo dele sem o braço direito. A mãe dela comprou outro boneco exatamente igual ao meu. Eu recebi das mãos crueis daquela garota chata um novo boneco com um novo braço, mas apenas porque minha mãe me obrigou. Ela foi a primeira mulher que tentou substituir algo que era meu, por alguma coisa que já me pertencia, mas que mesmo tempo não era minha e que também me fez chorar compulsivamente.
Planejei a maior vingança que minha bondade poderia construir. Eu escondi o io-iô preferido dela, apenas pra dar um susto e fazê-la chorar na minha frente, exatamente como ela havia feito comigo; eu ia devolvê-lo no momento em que eu visse as lagrimas caindo, mas a lágrima não caiu. Eu tive que ver a tristeza estampada em seu rosto, que não tinha maldade nenhuma; ao invés disso, tinha uma expressão angelical que me fazia sentir um monstro. Foi quando eu aprendi que eu nunca seria malvado, porque sou demasiadamente apático e justo, mas que de alguma forma era necessário.
A partir desse momento em que eu queria tanto fazê-la sofrer, eu virei o próprio sofredor. Cada vez que eu queria atingí-la de qualquer forma, ela me ensinava pelo caminho mais dificil que ela sempre seria muito maior do que eu poderia imaginar. Quanto mais forte ela ficava, mais eu me sentia inferior. Ela estava salva em uma espécie de bolha, e eu estava completamente vulnerável a tudo. O que ela determinava era decreto, e mesmo eu querendo infligir as regras, algo dentro de mim me precavia dos perigosos possíveis.
Em um belo dia de chuva ela se mudou, soube da noticia por uma das professoras de Português . Curiosade ou não, choveu por muito tempo. Ela foi embora e sugou toda a alegria do dia, das nuvens fofas e brancas, do cheiro de terra seca. Choveu por muito tempo mesmo, e eu acostumei a ficar dentro de casa, pensando nela. As gotas d’água caiam e eu não entendia por que eu fiquei tão vazio depois que ela foi embora. As gotas d´água continuaram caindo, e eu continuei pensando naquela vez em que eu quase fiz ela passar a maior vergonha da sua vida. As gotas d´água continuaram caindo, e eu continuei pensando como ela era bonita e em como eu tinha ficado infeliz sem ela. As gotas d’água continuaram caindo e, enfim, eu chorei por alguém que não se lembrava mais de mim.
Em uma aula de Matemática ela apareceu, e pra variar, eu, escondido na útilma carteira da ponta esquerda, aquela que fica perto da tartaruga que ela deu à escola, chorei. Mas dessa vez, de tão escondido que eu estava, ela não me viu. Mas eu a vi; e ela me procurava com seus olhos de maldade. Apenas quando ela não me achou, eu pude ver que uma lágrima caiu como um meteoro desgovernado. Permaneci sentado, sem crer no que via. No recreio, eu apareci e ofereci metade do meu misto quente. Ela ficou feliz de verdade com a minha atitude. Quando eu perguntei se ela tinha chorado, ela disse: foi só um cisco. E me deu um beijo na testa.

Um comentário:

Ryuji disse...

Muito bom teu texto cara, de verdade!
História verídica? hehe
ate+