Sempre fora assim: na falta do que fazer, ela observava atenta o ponteiro do relógio. Esperava pelo mesmo segundo, repetidamente, almejando algo novo, sem saber se era mesmo o que ela queria. Alimentava dentro de si às suas ilusões com o tempo corriqueiro. Desejava ser alguém importante no seu futuro distante. Então o tempo passava. O balanço suave e insistente do velho cuco, na sala comunal, cenário de várias fases de sua vida, nunca mudava. Sentada na nova poltrona confortabilíssima, de origem desconhecida, via de uma outra perspectiva a sua incapacibilidade de controlar o tempo ou manipular os fatos; poderia ficar ali, inepta, quase morrendo, mexendo apenas os olhos encharcados de medos e duvidas, anunciando o nada. O tempo passava e nada ocorria. Sentada, ainda que presa à sala sentia-se livre e capaz de voar no mais difícil pensamento. Pensava em coisas impossíveis, em coisas fáceis, no próprio tempo. Seu pensamento só era interrompido pelo tic-tac insistente do relógio, pelo barulho instagnante do silêncio e da paz que a cercava. Os segundos fazia dos minutos algo livre. Os minutos livres fazia das horas nada mais que um atraso. As horas atrasadas diziam dos dias algo triste. E os dias tristes fazia dos anos apenas algo contável. Tão contável, que nesse momento ela observava os segundos tristes de um belo cuco. Anos mais tarde, quando já era adulta já tinha tudo o que mais almejava, voltou à sala comunal. O belo cuco permanecia no mesmo local, contando o tempo. Sentou-se novamente na velha poltrona, e, parada, por mais uma vez a contagem dos segundos lhe roubava atenção. Era esse o seu melhor tempo, indubitavelmente. Encarou o cuco e desejou manter-se pra sempre naquele tempo agradável, onde todos os sonhos começavam a se realizar. Em um ato displicente, travou as horas do cuco.
Quando já era velha demais, e a poltrona antiga e empoeirada precisava ser trocada, voltou à casa. O relógio parado, não contava mais nada, assim como ela. Era apenas uma perda de tempo. Ela também estava quebrada, como o cuco. Cansada e sentada na poltrona, lembrando das suas últimas lembranças, constatou: morrera no dia em que o relógio parou.
quarta-feira, 17 de setembro de 2008
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Um comentário:
ei..
adorei o texto..
haha...muito bom..
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