A partir de certa hora, eu apenas me reclinava sobre a sacada e observava por vários minutos aquelas pessoas dançar, completamente extasiadas – algumas, inclusive, sob o efeito de drogas. Quando isso acontecia, eu retirava a minha câmera e filmava aqueles desconhecidos em seus momentos de glória. Havia aquele rapaz muito bêbado que chamava atenção, aquela outra menina que gostava de dançar até o chão. Bem no meio havia um casal que se beijava e logo atrás tinha aquele rapaz tímido que ficava balançando a cabeça. Olhando no visor da máquina, perdido, perto da escada havia um rapaz. Algo nele, perto da escada que dava acesso a parte superior, me encantava; de olhos fechados, ele usava suas mãos para dançar majestosamente – como se aquilo fosse a sua vida. Seus movimentos eram coordenados e isso o permitia segurar a bebida transparente no copo de plástico enquanto se movia. Em alguns momentos ele parecia desaparecer daquele lugar e ir para outra dimensão; um lugar em que todos eram felizes.
A câmera repousa nele, gravando por alguns minutos aquela tranqüilidade. Ele abre os olhos, despertando de sua bela vida. Olha para os cantos, procurando alguém. Bebe um pouco e olha em minha direção. Imediatamente eu movo a câmera para outra pessoa – um bêbado que dançava ridiculamente. Discretamente tento reposicionar a câmera no rosto do garoto da escada. Ele ainda olhava pra mim. Eu, um pouco reticente, decido continuar filmando. Ele, sério, continua olhando na minha direção, como se quase adivinhando que entre várias pessoas naquele lugar eu realmente o filmava.
Ele levanta a cerveja em minha direção e acena. Sorri e logo depois vai embora.
Pouco depois o vejo subindo a escada, sem dificuldades para me filmar. Decido continuar filmando. Ele chegou um pouco destemido, visivelmente envergonhado, perguntando se nós poderíamos conversar. Na mão, uma cerveja. “Cê quer?” Eu acenei e sorri, mas estava muito escuro pra ele poder perceber. Despertei da monotaneidade que ficar observando as outras pessoas dançar causa e entrei em um novo clima de liberdade e simplicidade que signifivava conseguir amor facilmente.
A música era patética, como sempre, mas todo mundo fingia gostar, porque afinal de contas, era sábado a noite e todos esperavam se divertir. A grande verdade é que ninguém se divertia – isso estava gravado. Todos fingiam que estar naquele lugar significava diversão. No dia seguinte, provavelmente, eles contariam aos amigos que dançaram pencas, que beberam pencas, que pegaram pencas, que estão de ressaca e que eles deveriam ter ido.
Eu pensava nessas coisas.
Eu notava que ele tentava falar alguma coisa, mas eu não conseguia ouvir. Eu sinalizei com o meu dedo apontado ao ouvido, sinal suficiente para ele entender que tinha muito barulho. Ele sorriu, olhou pra baixo e levantou as mãos, aproveitando a música. Eu simplesmente dei um longo gole; a cerveja estava com um gosto horrível.
Ele tentou novamente falar algo, dessa vez gritando mais próximo do meu ouvido. Eu ainda não havia entendido, mas balancei a cabeça e disse sorrindo: eéééééé!! Então, ele chegou mais perto e pôs a mão na minha cintura, me empurrando contra o corpo dele. Pude sentir a barriga definida – realmente, era alguém bonito. Ele chegou ainda mais perto e dessa vez falou mais baixo: me beija.
De repente, a música parou enquanto eu me concentrava nos seus lábios úmidos de cerveja, sentindo aquele bafo meio gelado, meio incomodo e meio sedutor. Fixei meu olhar no rosto dele e sorri. O mais engraçado é que eu havia entendido aquilo. “Me beija”. Pus a palma da minha mão no seu rosto.
- Melhor não.
Ele riu um pouco, de cabeça baixa. Quis saber por quê. Eu apenas dei de ombros e fui embora pra outro lugar. Enquanto eu tentava passar pelas pessoas, eu notei que ele me seguia. Fiquei um pouco nervoso; minhas pernas ainda trêmulas e meu coração acelerado denunciavam a minha fuga. Por entre as pessoas eu não ouvia nem enxergava nada além da saída. Olhei pra trás, procurando seu vulto; apenas notei suas as roupas: camisa gola pólo listrada e calça escura. Tinha um cheiro forte.
Ao constatar que ele havia desistido, fui ao caixa e paguei o que tinha consumido. Ao lado, em um sofá, duas meninas choravam; algo sobre traição de amigos. Estavam bêbadas, claro. A moça oferecia meu troco e eu devolvia um gentil sorriso seguido de um “muito obrigado, boa noite a senhora”.
Sentei no banco de pedra que ficava do lado de fora da boate. Ainda era possível ouvir a música abafada que ditava o ritmo da bendita felicidade que eu nunca conseguia encontrar naquele lugar. Meus ouvidos faziam aquele som estranho de quem sai de um lugar com muito barulho. Com pouco tempo lá fora, pude perceber que era estranhamente calmo do lado de fora. O silêncio só era quebrado pela conversa alta dos taxistas com as garotas de programa.
Retirei a câmera do meu bolso e revi os vídeos – sentindo, dessa vez, raiva, por não ter permanecido e aproveitado. Como eu poderia me denominar feliz, se nem ao menos consigo ficar em um lugar cheio de felicidade? Revi os vídeos dos estranhos, pensando em talvez editar e fazer um documentário sobre essa vida de noite. Uma risada alta cruzava a rua inteira. Discretamente apontei minha câmera para a loira de mini saia preta.
Por alguns minutos foi possível escutar as aventuras recentes da garota de programa. Ela falava dos fatos engraçados, dos ócios do oficio e de como garota de programa era mal remunerada. Falava dos produtos de beleza, das exigências que os senhores faziam e de como eles a tratavam bem. O taxista, de repente, olha em minha direção e imediatamente a loira se aproxima, desfilando. Ao chegar mais perto da luz pude perceber que suas feições eram mais masculinas. Era um homem ou uma mulher?
- Oi gatinho, me filmando né?
Fiquei calado.
- Calma, calma, pode filmar se você quiser. Sem paranóia ok? É 100 reais. Sou ativa e passiva. O que você quiser.
Acenei com a cabeça e apontei a câmera para a sua face.
- Meu nome é Paola. Como o gatinho se chama?
- Carlos.
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
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