- Alice.
Eu disse baixo o nome, assim, seco, sem vida, como se fosse um substantivo qualquer, quando percebi alguém de cabelo curto se aproximar. Era ela acompanhada de seu semblante preocupado – as sobrancelhas denunciavam dramaticamente que algo acontecera a pouco. Me pergunto como ela conseguiu me encontrar sem ao menos ter me ligado para confirmar o nosso almoço.
- Beto, Beto, Beto!
Pos a sua mãozinha na testa e sentou em uma parte da raiz. Logo começou a falar mais e mais de como fora a sua aula e o quão medíocre ela se sentiu ao constatar que ela era a única do seu curso que realmente gostava de moda pela moda.
- Alice, você deveria fazer outra coisa.
- Tá louco? Não, não, não! Eu me recuso a desistir logo tão perto de me formar. Quando eu me formar tudo vai ser diferente, vou poder viver da minha moda, e não dessas coisas fabricadas para agradar e dar dinheiro. Eu me pergunto o que seria da Amanda sem as coisas de marca. Não posso negar que são lindas; realmente são. Mas ela não é aquilo, ela é apenas a marca, e isso ta errado. Você ficou aqui o dia inteiro?
Acenei positivamente. Alice tinha razão, em partes. Eu me sentia bem com minhas roupas de marca. Me sinto tão valorizado. Talvez essa Amanda ai apenas queria isso: valor. Deve ser uma dessas pessoas com dinheiro que gostam de viver em um mundo compartilhado. Amanda deve ser isso: vazia.
- Beto, e o Carlos hein?! Nossa, meu, ele não ligou. Ele sempre liga! Já passou meia hora e nada. E o pior é que eu não sei se eu ligo ou se eu apareço no Bloco H procurando ele. Ai, sei não, aparecer assim, coisa de mina louca; vai que ele ta lá com aqueles imbecis da arquitetura? Ai, amigo, o que eu faço? Eu sei que ele se tocou, ele é muito perspicaz. E o pior é esse tratamento de choque! Antes de você chegar nós estávamos conversando sobre o fim de semana, sabe, sobre aquele churrasco que rolou na casa do Tio dele. Ele tava lá super feliz com os amigos e a família. Acho que foi algo importante pra gente, sabe, a mãe dele até veio falar pra mim que ele raramente trás namoradas pra família conhecer. Ela mesma só conhecia aquela vaca da ex-namorada que foi pra Londres e deixou ele sozinho. Quatro anos Beto, quatro anos! Como é que ela foi capaz de deixar o Carlos aqui, só. A sogrinha tava contando que foi por esse tempo que ele conheceu o melhor amigo. Ele tava lá também e, meu deus, é um gato! Você nem acreditaria no que...
Penso que eu faria a mesma coisa e não pensaria no que poderia ter acontecido caso eu não fosse. Estamos falando de Londres, uma cidade linda, com pessoa que falam somente Ingles. Definitivamente, essa cidade é muito pequena pra mim, aqui não tem nada que me sustente, emocionalmente, artisticamente e financeiramente falando. Detesto essas pessoas, detesto esse lugar. Acho que essa ex-namorada do Carlos fez certo em ir e buscar outras aventuras. Acho que a Alice apenas não entende. Alice, Alice.
- Então, foi isso, a mãe dele me contou tudo sobre ele e esse namorinho idiota com aquela patricinha com quem ele estudou no tempo da escola. Desde então eu tenho tentado fazer ele falar sobre esse relacionamento com ela, mas, sabe, sem nunca revelar que eu sei de nada. Até mesmo porque eu realmente não sei de nada; tecnicamente, ele nunca me falou dos relacionamentos que ele teve antes de mim – ele nunca fala, é reservado, calmo, extremamente controlado. Mas quer saber, ele é um palerma e diz que não gosta muito de falar sobre as coisas e tal, mas eu sei que ele não fala mesmo porque ainda deve doer bastante.
Alice calou-se e imediatamente pôs as mãos na cabeça, pondo-se a segurar o belo cabelo com uma força incrível. O silencio vindo da ausência de suas palavras me exigia manifestar algo gentil. Alice, finalmente destruindo a harmonia sonora causada pelas folhas da árvore balançando, propôs sairmos do lugar e comermos. Andamos até o restaurante self-service que havia do outro lado da rua, perto da banca de revistas.
- Vamos sentar ali na parede, porque eu gosto um pouco dessa parte escura desse lugar ok? Ai, Beto, eu não sei, eu não sei, eu to sendo uma chata contigo né? Você ai deve ta escutando tudo e pensando como eu sou insegura. Eu sou mesmo, Beto, você sabe, sempre fui assim. As pessoas me chamam de linda e tal, enfatizam que os meus olhos são lindos e os homens realmente fazem muitas coisas pra poder ficar comigo. Mas o Carlos foi tão diferente; sei lá, ele é tímido de verdade, não foi só fingimento. Ele é reservado, cavalheiro, lindo e sabe me proporcionar esses momentos em que eu me sinto a mulher mais feliz do mundo. Não quero que acabe. Eu estou feliz após vários relacionamentos que acabaram da pior maneira possível, você sabe, Tales, Marcos, Robson, Eduardo, Adriano, todos esses e os que vieram antes deles também! Eu quero me focar na minha carreira, quero por pra frente os meus projetos, mas, agora mesmo, eu só to pensando no Carlos. Falando em Carlos, se lembra daquele melhor dele amigo que eu te falei? Ele é um gato, olhá lá, ta entrando agora de camisa social azul e calça branca, vou chamá-lo para almoçar com a gente, algum problema?
Foi então que, sem sequer eu perceber, Alice acenava para o cara que eu estava comigo mais cedo na parada de ônibus.
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
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