quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Parte 1 - O feixe de luz na copa da árvore

Eu vi esse garoto encostado em uma árvore na parada de ônibus escutando a sua música. Ele fechava os olhos e tentava expressar exatamente o sentimento que ele sentia ao ouvir a música. Nós, do lado de fora, apenas víamos; alguns riam, outros apenas olhavam – eu admirava. A situação era, realmente, engraçada; ele parecia estar preso em um clipe musical.
De repente, ele parou um pouco e olhou para seu ônibus. Foi então quando eu pude perceber o quão bonito aquele garoto era. Ele usava uma camisa social azul que, por algum motivo, implorava ser abraçada. Sua bolsa verde e marrom segurava um chaveiro com a bandeira do Canadá. Ele usava um sapato branco que estava muito sujo e uma calça completamente preta.
Ao subir no ônibus, ele escolheu um dos cantos e lá permaneceu até o final da viagem aonde desceu comigo, na parada mais próxima à Universidade. Foi somente quando ele passou apressado por mim, olhando para ambos os lados da rua, que eu pude sentir o seu cheiro. Imediatamente, fui obrigado a puxar todo o ar que havia ao meu redor, e viajar pelos lugares mais confortáveis da minha imaginação, e só então, de repente, quando já não tinha mais ar algum para inspirar, eu pude voltar me concentrar nos barulhos do carro e atravessar a rua.
De alguma distância eu o observava andar, entrando pelo pátio da Universidade, passando pelas plantas. Não pude ter certeza, nem jamais poderei, mas eu continuo pensando que ele sorria para as flores enquanto cruzava aquele pátio. Era a minha parte favorita da Universidade, pois nela se encontravam várias flores coloridas; era a minha maneira particular de voltar a sentir a natureza que não havia mais em lugar algum.
Ele continuou andando na minha frente e, ocasionalmente, ele virava a cabeça discretamente, como quem olha pra trás e rapidamente se arrepende de tê-lo feito. Não estava pensando direito, mas talvez fosse possível que ele tenha notado que eu o seguia. Então, por esse único motivo, eu parei um pouco e fiquei observando ele andar ainda mais, até dobrar em um desses prédios e sumir da minha vista.
Pude, então, voltar em paz para o meu próprio lugar e pensar um pouco sobre as coisas que haviam acontecido. Estava um pouco confuso pelo efeito penetrante que aquela pessoa tinha sobre mim. Fui pensando aleatoriamente, de bloco em bloco, esperando passar os 15 primeiros minutos de aula, pensando em quem era aquele rapaz. Andei por fontes, plantas, estatuas e aglomerados de outros alunos.
Avistei Carlos, da Arquitetura, conversando com Alice, sua namorada, perto da árvore que fazia a maior sombra por aquele lugar. Alice parecia um pouco nervosa; não podia dizer nada de Carlos, apenas que ele estava usando uma camisa verde muito interessante. Andei em direção ao casal, ainda sem saber o motivo pelo qual eu deveria me aproximar dos dois. Foi somente quando estava bem perto que pude nota que Alice de repente olhou em minha direção e mudou sua expressão drasticamente, de modo que Carlos pudesse se virar e ver que alguém chegava. É claro que algo estava errado.
- Roberto, cara, quanto tempo!
- Bom dia – digo eu, sorrindo timidamente, segurando com muita força as duas alças da minha mochila pesada.
Roberto sorri de volta e Alice fala alguma coisa sobre alguma coisa que não me interessava, então finjo que escuto e olho para os feixes de luz que saiam da copa da árvore. Era realmente uma árvore muito grande. Ao notar que Alice terminara seu discurso, digo algo do tipo, “será que a gente poderia se encontrar pra almoçar?”. O casal tenta falar algo com dificuldade, se entreolham e, então, Roberto diz que está atrasado para a sua aula e parte, fugindo daquilo tudo.
- Você viu, Beto? Ele ta com ódio de mim por causa daquele lance lá do concurso.
- Ele tava? Não notei nada não – minto. Ele é sempre tão simpático, ainda acho que ele é o melhor namorado que você arrumou.
- Ele ta, eu sei que ele ta, ele não me engana, eu conheço o Carlos. Tu ta indo pra onde?
- Eu tenho que ir praquela aula ridícula do Carneiro.
Alice olha no relógio e alerta efusivamente que já passam 15 minutos após o início da aula. Mesmo não estudando com os mesmos professores, ela sabe que o Carneiro é conhecido por ser um daqueles professores que cobram demais dos alunos e que detesta quando os alunos não são exemplares.
- Eu sei – sorrio agradecido, deixando transparecer que, na verdade, a intenção é realmente irritá-lo.
- Toma cuidado Beto, ele pode...
- Eu sei, ele pode tudo, porque ele é o Carneiro, e está aqui desde sempre, e conhece muitas pessoas capazes de transformar minha vida em um verdadeiro inferno nessa Universidade. Eu sei, eu sei, eu estou ciente de tudo isso.
Alice ri um pouco e enquanto andamos em direção aos nossos respectivos blocos, ela continua falando sobre a certeza absoluta que ela já tem sobre o Carlos está com raiva dela, sobre o lance do seu fim de semana, sobre a sua indecisão de escolher um desenho para a sua nova tatuagem e finalmente, sobre como ela detesta essas meninas frescas que fazem parte da sua turma de Estilismo.
- Uma menina apareceu ontem com uma bolsa de 450 reais – 450 reais! – e eu não acreditei no absurdo que é uma bolsa daquelas. Com certeza, era linda. Com certeza, ela tem dinheiro pra gastar... mas parece tão errado. Ai meu deus, são 08:00! Beto, to super atrasada, a gente almoça, né? Me liga as 11:15, ok? Valeu por sempre me escutar, você salvou o meu dia, tchaaaaaaaau.
Alice deu meia volta, correndo e desviando de vários bancos e pessoas. Antes de dobrar na primeira entrada, parou um pouco, olhou pra mim e acenou novamente com a mão, erguendo o mais alto possível. Logo em seguida mandou um beijo e desapareceu.
Permaneci parado, olhando para o lugar em que Alice houvera a pouco me entregado seu beijo. Fechei meus olhos um pouco. Eu ainda estava um pouco confuso com aquele cheiro; por algum motivo parecia que aquele mesmo cheiro já fora importante para mim em algum momento. Eu ainda estava segurando a alça da minha bolsa firmemente, quando eu abri os olhos. Num ato automático, soltei uma das mãos e deixei um dos olhos observar o relógio. Estava um pouco mais tarde do que eu imaginava.
Dei meia volta em direção àquela árvore que nós estávamos há poucos instantes e me reclinei sobre seu tronco. Fui deslizando lenta e dolorosamente em direção à grama fria do chão. Eu havia fracassado; no final, eu já sábia. Não adiantava mais chegar a aula, pois eu já estava atrasado para estar atrasado. Ainda havia vários minutos antes da aula do segundo período começar. Por isso, retirei da minha bolsa um livro e comecei a lê-lo.

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