sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Parte 2 - O vinho no tapete felpudo sustenta um homem bebado

Era noite e ele já havia aberto uma segunda garrafa de vinho. Celebrava a sua nova resolução que conferia não contar jamais nenhum de seus problemas aos amigos – decisão tomada baseada na exclusiva falta de interesse dos seus amigos pelos problemas. Ai amigo, relaxa, tudo vai ficar bem, você vai encontrar uma pessoa e vai ser muito feliz. Um brinde a quem é imbecil o suficiente para acreditar que eu, logo eu, vou ter tal destino. Não espero ser tratado como pessimista ou como louco, pois realmente prefiro o termo “sensível demais às coisas”. Ora, é um fato concreto: houvera passado metade de sua vida a procura de tal pessoa, de tal felicidade proveniente de relacionamentos saudáveis e a encontrara somente pessoas repugnantes de atos perversos.
Celebrava a felicidade, inclusive nos momentos mais tristes, ainda que como uma máscara tão adequada aos momentos que houvera deixado suas marcas na face úmida. Todas essas linhas, todo esse aspecto de vida, um dia sumiriam e elem deixaria a sua marca no mundo.
Era alguém, que, sobretudo, merecia encontrar o que ele procurava. Mais do que merecer, ele precisava disso para continuar vivendo, pois não aceitaria viver sequer mais um ano sentindo inveja das situações que todos tiveram, exceto ele. Contava nos poucos dedos as pessoas que havia beijado ou com quem havia feito sexo – repetia a si, logo após os números baixos, que isso tudo era resultado de um trabalho árduo de preservação e certezas que ele tão humildemente julgava ter sobre as coisas. Gostava de pensar sobre si como uma pessoa ciente das coisas, mesmo sem não tê-las vivido pessoalmente.
Engana-se quem pensa que falamos de um homem qualquer; era um sujeito distinto e suficientemente confiante de si – até alguém que importasse o dizer justamente o contrário. Acreditava, principalmente, que pessoas que ele admirava tinham um poder sobre ele – algo que ele julgava como magia, mas que na verdade, era apenas a gana por um artifício mágico que não se encontrava em qualquer um.
- Qual é esse problema da humanidade que não me reconhece como um homem digno de carinho? O que há dentro dessas cabeças que eu tanto admiro que insistem em me ver como algo indigno de um segundo olhar? Eu sou excelente! Eu sou um excelente profissional, bonito e charmoso, que posso fornecer uma vida confortável a qualquer pessoa que deseje unir-se à minha vida! E por que todo mundo insiste em me abandonar, ou, por vezes, me trocar por uma versão mais magra, ou mais simples?
Já estava trôpego, discursando por sobre o sofá, apontando a taça de vinho tinto para um quadro que exibia a pintura de uma mulher perdida na selva. O ventilador de teto estava ligado, as luzes estavam acesas e o som estava ligado – enfim, as coisas funcionavam. Ele pensava exatamente nisso: como era engraçado tudo, exceto ele, funcionar. Rapidamente, tropeçando pelas almofadas e derrubando no tapete o resto de vinho que estava na garrafa, ele desligou o som e já com a mão estendida, voou em direção ao interruptor, arrematando em um só golpe os três botões da parede – dois das luzes e o do meio, que dizia respeito apenas ao ventilador.
Pronto, escuridão e silêncio o levariam, assim que possível, ao sono. Ele dormiria se sentindo frustrado, resmungando palavras inaudíveis, ainda vestindo a roupa que estava usando no trabalho. Deitaria no chão, agarraria uma almofada e choraria. Logo em seguida ele poria suas mãos no tapete felpudo e sentiria o conforto das suas coisas. No meio da noite, viraria seu corpo na direção contrária da luz da lua que entrava pela janela e agarraria a primeira almofada para ser a sua companheira de noite, para poder dar carinho e para não se sentir tão só. Então dormiria humilhado por si.
Despertou em seguida, ainda lembrando do último pensamento que havia tido – enquanto abria seus olhos, procurava reconstruir a sequencia lógica dos fatos que o fizera ter adormecido daquele jeito, naqueles trajes com aquela bagunça. Isso duraria mais do que o necessário, mas pela mesma janela em que a luz da lua entrava na noite passada, a luz do sol, quente, o obrigava a se mexer, a sentir calor e a voltar a viver.
Seria mais fácil hoje; ele viveria o seu dia recordando os fatos de ontem e tentando incorporar mais algum detalhe que o sustentasse dentro de si mesmo. Logo seria uma nova hora do dia e ele comeria torradas com geléia após ter tomado um banho longo e revigorante. Depois, observaria a bagunça e até tentaria começar a limpar algo, mas antes olharia o grande relógio de parede na sala e constataria estar mais atrasado que o usual. Isso o faria correr para o quarto e vestir a primeira roupa que ele encontrasse no armário bagunçado – uma calça preta, uma blusa social azul e um sapato branco. Poria a bolsa marrom e verde e no caminho para a Universidade espalharia um pouco de perfume em si.
Estaria pronto, então, para mais um dia.

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