terça-feira, 11 de novembro de 2008

Eu nunca quebrei a perna.

Que tipo de pessoa precisa tão desesperadamente quebrar a perna pra chamar atenção? Talvez eu, no meu sonho impossível de ter atenção da família e a perna com nomes dos amigos do jardim de infância. Se eu ainda não quebrei a perna, como vou poderei dizer que senti dor? Eu não guardo histórias de quedas de bicicleta, porque meu pai quis me ensinar, mas eu nunca aprendi; eu sempre caia e fazia muito drama. Um dia ele vendeu minha bicicleta; mal sabia ele que vendeu junto com ela os meus sonhos infantis. Só aprendi efetivamente a andar sobre duas rodas quando um amigo, o melhor e mais bem determinado que eu tenho, admitiu que eu não poderia deixar de sentir a liberdade à duas rodas. Mesmo eu atropelando todo mundo, inclusive ele, inclusive os próprios ciclistas, mesmo quando eu praticava na calçada, mesmo assim, atropelando tudo que se movia, eu aprendi. Demorou 14 anos. Quando os meus colegas quebravam a perna, eu nunca assinava. Exceção da Annabelle, minha melhor amiga do jardim. Ela não sabia andar de bicicleta, mas tinha uma bicicleta com cestinha rósea. Juntos, formávamos um belo par. Enquanto alguns gastavam a pintura, empenavam as rodas e furavam os pneus, nossas bicicletas reinavam juntas. Tínhamos rodinhas, e isso era a coisa mais incrível que poderia acontecer. Annabelle e eu perdemos nossas rodas, e depois as bicicletas foram substituídas por outras brincadeiras menos perigosas. Queria saber se Annabelle aprendeu a andar de bicicleta; não nos falamos desde a 5ª série, quando ela começou a me achar esquisito. Quando meu pai tirou as rodas, as minhas rodas, eu pude usar o freio pela primeira vez. Mas não usei; nunca gostei, nunca soube o momento certo de parar. Todos os meus erros são por falta de freio na hora certa ou por freios antecipados. Como poderei usar o freio, se toda vez que eu penso em usá-lo eu sou arremessado pra frente, e atropelado por minha própria bicicleta; tudo isso por que eu sempre pedalo muito rápido, por tudo. Por saber andar sobre rodas, eu virei uma bicicleta, que no inicio era muito bonita e simpática. Devido a minha pressa de viver hoje, eu sou uma bicicleta sem rodinhas, sem freio, sem rumo, sem pintura, sem controle e com medo da dor. Sei que um dia eu vou bater em alguma coisa. Às vezes eu me pergunto, mesmo já sabendo a resposta, por que demorou tanto pra isso tudo acontecer. Eu mesmo aprendi que viver dói, e que eu tenho medo da dor. Aprendi a fazer tudo sem sofrer, e se sofrer, sempre o mínimo. Mesmo que demore, mesmo com tudo. Saber que eu não vou sofrer me dá forças, mas também me torna covarde. É por isso que eu me acho tão bom demais pra nunca estar errado. É por estar errado o tempo todo, que eu finjo tão bem estar certo, e todos acreditam. Inclusive eu. Por mais que eu ame meu pai, sei que a culpa é dele – também sei que estou errado. O meu medo de viver, a minha perna saudável, esse texto; é responsabilidade dele. Sou tão parecido com ele, que talvez ele ainda não tenha quebrado a perna. Meu velho me deu tanta coisa nessa vida e retirou tanta coisa que eu, de fato, não precisava. As rodinhas da minha bicicleta azul, por exemplo. Ensinou a nunca cair e a fazer tudo no dia certo, com calma, sem erros. E se um dia eu conseguir ser um herói para o meu filho, não vou ensiná-lo a andar de bicicleta.
Mas se ele me pedir, eu farei. E se ele quebrar a perna serei o primeiro a assinar sua perna.

9 comentários:

Naty Piasentin disse...

Tbm nunca quebrei a perna...
Não sei andar de bicicleta...
Nunca assinei no gesso de ngm...
e sabe o que é bem pior?
Eu nem fiz o pré,nunca tive uma amiguinha p brincar de boneca(td bem q sempre odiei bonecas mas enfim...)
Mesmo assim acho que tudo isso fez com que eu desse mais valor hj nas coisas simples...
Não podemos lamentar pelo passado nda vai mudar ele mas podemos fazer algo pro futuro ser razoavel rs...

Séphira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Séphira disse...

Quando eu era criança eu achava tao chic aquela "bota branca" de gesso... Eu era louca pra ter uma! E a unica vez que "expressei-me artisticamente" em uma destas botinhas de gesso, eu optei por desenhar o orgão sexual masculino em estilo "naif"! Ficou tão "lindo" que eu perdi a amizade de quem usava aquela botinha branca de gesso! kkkkk!

Meu querido, o medo de viver só nos mata! A vida é uma aventura deliciosamente dolorosa! E acredite: a culpa é sempre só nossa e de mais ninguém!


O Sonho de Ícaro!

Rilke disse...

É tão estranho. O Blogger mostra q houve um comentário excluído.

Rilke disse...

Rolaram algumas identificações. Mas eu digo que eu sei viver e que não tenho medo da dor. As vezes eu agradeço pelas dores que vêem. Ultimamente não estou negando nenhuma delas, assim como nenhum dos meus medos e das minhas alegrias.

Não, eu não sei viver. Quem sabe já aprendeu tudo o que tinha que aprender e eu só tenho a aprender. Eu estou aprendendo a viver, aprendizado este que só terminará quando morrer ou quando eu me tornar realmente ignorante.

Séphira disse...

Bom saber que vc se sente bem "em Bagnacavallo", quem sabe um dia a gente toma um capuccino com os velhinhos centenários da "Loveria", meu café-bar preferido na cidadela! kkkk!
Quanto a ser ou não ser estrangeira: Até em Fortaleza, cidade onde nascí, eu me sentia uma perfeita estrangeira! kkkk! Existe um lado muito positivo em ser "estrangeiro", em ser "estranho", é poder perceber os lugares e as pessoas de uma outra forma, ter a visão de quem "tá do lado de fora" do assunto. Os pontos de vista são outros! Não quero dizer que são melhores. Mas, são outros!

Querido, fique á vontade no meu bloguete! Bem vindo sempre!

*E voe... voe... Até chegar ao Sol!

Era uma vez...... disse...

""É por isso que eu me acho tão bom demais pra nunca estar errado. É por estar errado o tempo todo, que eu finjo tão bem estar certo, e todos acreditam.""


...e acreditam tão bm, q são convencidos rapidamente da nossa certeza tão incerta!!!!

Admito tbm faço isso, até hj ñ sei andar de bike, sempre tive medo, nunca quis errar, nunca quias cair, nuncaquis ter medo tbm...mais tinha, tenho!!!!


obs: Pow ícaro tenha dó de seus leitores míopes, aumenta essa letra aew!!!!

bjinho!!!

Walikson disse...

hiiii..eu tambem nunca quebrei..era meu sonho quando era criança..todos os meus irmãos e primos tinham quebrado menos eu..ate ja cai da escada e não quebrei..hihi..tosco

Teacher Bill disse...

Comentar-lo-não-ei (deveria, já q é o papel desta), pois fiquei farto! Com muito custo consegui terminar de ler. Acho interessante que escrevas crônicas, mas acho triste outros aspectos como, por exemplo, o egocentrismo e a vaidade. Creio que se adotares uma forma mais desprendida de escrever passarias a escrever ‘Cartas Portuguesas’; passando a dor real, da mesma forma que os poetas Dinamarqueses escreviam ( esquecer-los devemos, pois, vivam em devaneios de amor e morreram antes dos trinta! ). A dor pode ser passada de forma que doa, mas também que seja masoquistamente prazeroso.
Sim, existe transformação no metamorfismo sem dor, contudo, o personagem fica interpretado como um covarde, um bobalhão.
A balburdia da vida medíocre e lesada é mais parecida com a do povo, pensa Shakespeare; por isso a casa da mãe Joana é muito mais regozijável do que a vida do pobre menino rico e mimado de Fernando Weickerth.
Estava a escrever e me puz a criticar.
Espero que não tenhas ofendido teu ego mimado.
De um Portuguesinho para um Brasileirinho.
Tschüs