segunda-feira, 25 de maio de 2009

Um passaro no chão

Encostado na parede, ele engolia passivamente o que o tempo lhe empurrava pela boca. Uma breve crise de idade, logo passaria e justificaria todos os comportamentos de outros dias passados. Ansioso, tentava dormir; amanhã era o grande dia pelo qual ele esperava. Ao olhar a janela viu pela primeira vez a cidade dormindo. Chovia calmamente e rápidos clarões cintilavam o céu. Apenas ele sentia, ou o mundo estava acabando mesmo?
Acordou cedo, quase tão cedo para ver as últimas gotas de chuva caírem. Fazia o frio da adolescência acordando para a escola, e, ao se lembrar, sentiu no peito o amargo dos anos. Sentou na cama encostada na parede, com as mãos fechando um belo laço no joelho. Encolheu-se e tentou não pensar em nada, mas era tão impossível que se viu obrigado a pensar novamente no dia de hoje.
Anos atrás, no delicioso frio das manhãs de adolescente que tivera, ele acordou feliz: formatura. Levantou cedo, venceu o frio e foi para a entrega do diploma. A mãe chorou, o pai chorou, ele chorou. Finda a cerimônia poderia pensar em conquistar seu objetivo: presidente da empresa de calçados mais famosa da cidade. Ano após ano, determinado, se esforçou incansavelmente para chegar ao mesmo frio das manhãs e lembrar-se de toda a vida.
Os pássaros despertavam; já não era tão cedo. Passaram-se 30 minutos muito longos antes dele ir banhar-se e fazer a barba. No espelho, o reflexo de um homem sem vida; um objetivo que acabou virando ele. As verdades apareciam timidamente pelo canto do olho: uma única lágrima, gorda e quente, como as lágrimas derramadas pelo fim do noivado. Olhava-se espantado por estar chorando; corou de leve, e vestiu-se, encerrando por vez o espetáculo bizarro fornecido por poucos minutos pelo espelho.
Horas mais tarde, já no incontrolável calor da noite, estava mais calmo. Foi nomeado presidente! Pessoas importantes compareceram, dentre elas a noiva orgulhosa e ainda magoada e a mãe, que chorava olhando para o menino determinado. Venceu na vida e deixou todos orgulhosos.
Uma hipócrita recepção ofertada pela empresa dentro do seu próprio apartamento trouxe certa alegria para o ambiente morto. Flores tinham sido colocadas, e tudo tinha certo tom de diferença: aquilo não era a sua casa, mas o fazia sentir-se melhor. Era o sonho de uma vida vazia, deveria então, ser algo anormal e satisfatório. Empregados serviam bebidas e salgados em bandejas de prata. Tudo era cordial e levemente falso; a combinação perfeita para uma noite memorável.
Juntou-se a janela, e lá ficou parado por alguns momentos, saboreando uma deliciosa bebida em um copo de cristal e observando o movimento de carros do lado de fora. A mulher que um dia foi sua noiva encostou sobre seu ombro e segredou palavras de carinho e afeto seguidas de um belo e sincero sorriso que iluminava belamente a sua face clara; não havia ressentimento algum por parte dela e em meio a tantos sentimentos figurantes, ouvir o perdão de alguém o fez sentir-se um pouco melhor.
A mulher o deixou sozinho, saboreando a vitória com a ânsia que todos pensavam que ele sentia. Então, ao cabo de alguns minutos, a verdade escapava duas vezes no mesmo dia pelo mesmo olho. Outra lágrima exatamente igual a antecedente caia em movimentos lentos, manchando o rosto do homem sem objetivo. Bebeu um último gole e sentou o a taça perto de uma luminária alienígena e um belo vazo de planta artificial em cima de uma mesa encostada no canto, perto da varanda, e num movimento de despedida, se jogou da sacada, almejando novos vôos.

2 comentários:

John John disse...

Menino mau!

Nao mate seus protagonistas! NAO NAO NAO!

Clau disse...

Seu texto é denso mas ao mesmo tempo harmonioso. As palavras se encaixam e trilham uma bela narrativa.

Parabéns!