terça-feira, 26 de maio de 2009

333

Dois prédios se confrontam diariamente em uma avenida. Alinhadas na vertical, uma contra a outra, 50 janelas são diariamente abertas pela manhã e fechadas no final da tarde, exceto em dia de chuva, quando não é sequer permitido pensar em abri-las. As pessoas encarregadas de abrir as janelas costumam chegar antes de todos, no primeiro ônibus da manhã. Ambos os prédios tem suas portas abertas as 08:00 na avenida principal e os empregados não costumam entrar pela porta da frente – essa é a ordem, vinda de alguém superior que não gostam de meras copeiras e faxineiras incansáveis e prestativas. Os empregados mais importantes se encontram na parte de trás dos prédios. Alguns observam o nascer do sol, outros apenas descansam as cabeças na parede de pedra. Prolongam ao máximo o início do expediente. Hora após hora, chegam pessoas diferentes, das mais diferentes tarefas, fazendo as coisas diferentes. Indiferente a tudo, a senhora ruiva nunca abre sua janela; é, na verdade a única pessoa diferente de todos. Então, o cotidiano do prédio os prédios é exatamente o mesmo, exceto pela senhora ruiva, que nunca abre a janela.
Há 49 janelas abertas e faz um belo calor sufocante. Enxergo do outro lado da avenida o meu próprio reflexo tentando trabalhar no mais novo projeto multimilionário encomendado para resolver o problema do trânsito caótico da cidade. Pela minha janela, tudo é cinza, e a única coisa que consigo sentir é o brilho do cabelo da senhora ruiva, ao longe. Nem o sol brilha tanto, nem mesmo consegue dar vida a demasiada morte característica da cidade. A janela fechada me impede de enxergar mais e me obriga a voltar minha cabeça às várias idéias que saiam organizadamente da minha cabeça.
Já não há mais idéias organizadas enquanto uma janela permanece fechada diante o brilho inspirador.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Um passaro no chão

Encostado na parede, ele engolia passivamente o que o tempo lhe empurrava pela boca. Uma breve crise de idade, logo passaria e justificaria todos os comportamentos de outros dias passados. Ansioso, tentava dormir; amanhã era o grande dia pelo qual ele esperava. Ao olhar a janela viu pela primeira vez a cidade dormindo. Chovia calmamente e rápidos clarões cintilavam o céu. Apenas ele sentia, ou o mundo estava acabando mesmo?
Acordou cedo, quase tão cedo para ver as últimas gotas de chuva caírem. Fazia o frio da adolescência acordando para a escola, e, ao se lembrar, sentiu no peito o amargo dos anos. Sentou na cama encostada na parede, com as mãos fechando um belo laço no joelho. Encolheu-se e tentou não pensar em nada, mas era tão impossível que se viu obrigado a pensar novamente no dia de hoje.
Anos atrás, no delicioso frio das manhãs de adolescente que tivera, ele acordou feliz: formatura. Levantou cedo, venceu o frio e foi para a entrega do diploma. A mãe chorou, o pai chorou, ele chorou. Finda a cerimônia poderia pensar em conquistar seu objetivo: presidente da empresa de calçados mais famosa da cidade. Ano após ano, determinado, se esforçou incansavelmente para chegar ao mesmo frio das manhãs e lembrar-se de toda a vida.
Os pássaros despertavam; já não era tão cedo. Passaram-se 30 minutos muito longos antes dele ir banhar-se e fazer a barba. No espelho, o reflexo de um homem sem vida; um objetivo que acabou virando ele. As verdades apareciam timidamente pelo canto do olho: uma única lágrima, gorda e quente, como as lágrimas derramadas pelo fim do noivado. Olhava-se espantado por estar chorando; corou de leve, e vestiu-se, encerrando por vez o espetáculo bizarro fornecido por poucos minutos pelo espelho.
Horas mais tarde, já no incontrolável calor da noite, estava mais calmo. Foi nomeado presidente! Pessoas importantes compareceram, dentre elas a noiva orgulhosa e ainda magoada e a mãe, que chorava olhando para o menino determinado. Venceu na vida e deixou todos orgulhosos.
Uma hipócrita recepção ofertada pela empresa dentro do seu próprio apartamento trouxe certa alegria para o ambiente morto. Flores tinham sido colocadas, e tudo tinha certo tom de diferença: aquilo não era a sua casa, mas o fazia sentir-se melhor. Era o sonho de uma vida vazia, deveria então, ser algo anormal e satisfatório. Empregados serviam bebidas e salgados em bandejas de prata. Tudo era cordial e levemente falso; a combinação perfeita para uma noite memorável.
Juntou-se a janela, e lá ficou parado por alguns momentos, saboreando uma deliciosa bebida em um copo de cristal e observando o movimento de carros do lado de fora. A mulher que um dia foi sua noiva encostou sobre seu ombro e segredou palavras de carinho e afeto seguidas de um belo e sincero sorriso que iluminava belamente a sua face clara; não havia ressentimento algum por parte dela e em meio a tantos sentimentos figurantes, ouvir o perdão de alguém o fez sentir-se um pouco melhor.
A mulher o deixou sozinho, saboreando a vitória com a ânsia que todos pensavam que ele sentia. Então, ao cabo de alguns minutos, a verdade escapava duas vezes no mesmo dia pelo mesmo olho. Outra lágrima exatamente igual a antecedente caia em movimentos lentos, manchando o rosto do homem sem objetivo. Bebeu um último gole e sentou o a taça perto de uma luminária alienígena e um belo vazo de planta artificial em cima de uma mesa encostada no canto, perto da varanda, e num movimento de despedida, se jogou da sacada, almejando novos vôos.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Um rosa no meio

Um belo crepusculo, inevitavel. Sentado em uma pequena mesa dedonda, na minha frente, estava ele, homem sem nome, sem destino, sem dono. Atravessando a janeça o laranja do sol ia contra a sua cara perfilada, absolutamente majestoso. Em uma mão, o livro, na outra uma xicara, e no centro de tudo, uma charmosa rosa branca.
Relaxei os cotovelos sobre a minha mesa e fiquei olhando. Ao passo de algum tempo, ele virou os olhos e me flagrou; era o começo da sua total desconcentração. Com trabalho tentou voltar ao livro, mas já estava vencido. Relaxou os braços e largou o livro; me olhava agora, segurando sua xicara charmosa entre as duas mãos.
Duas mesas, uma em frente a outra, duas pessoas, uma olhando a outra, e no centro de tudo, duas rosas. O garçon passou e eu disse algo no seu ouvido; mas uma de minhas cantadas baratas. Timido, o homem foi em direção a ele, totalmente corado. Disse por mim, ainda muito timido, o que eu lhe segredava. Ele riu, e segredou outra coisa ao homem. Uma coisa que nunca cheguei a saber o que foi, levantei enquanto o garçom ainda caminhava a mim. Dei um tapinha no seu ombro e dispensei seus serviços com um sorriso elegante.
- Posso?
-Claro.
-É café?
-Chá.
-Não gosto de chá.
-Camomila, toda noite.
Bebeu um pouco mais, e mais um pouco, e o final. Então, sorriu. Os nossos cotovelos na mesa, eu olhava, eu me apaixonava sem amor, apenas por diversão. Ele aproximou, chegou bem perto e olhou. Fiz o mesmo. A dama, o vagabundo e a rosa entre os dois. Então, seus labios nos aproxima va, até que, subitamente, um beijo. Apenas um, e fim do sonho.
Madrugada, acordei com gosto de Camomila na boca.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Brilho de um sabado próprio

Semana após semana ela travabalha, restando somente o domingo para rara folga. Uma rotina dura para uma mulher que costumava ser sensível quando mais jovem. Onde havia ela mesma dentro dela? Perguntava a si mesma, procurando uma resposta na imensidão dos seus dias infinitos. Assim foi sobrevivendo com seu extremo raro muito e seu insatisfeito sempre pouco.
Era metade de um sabado, não um inteiro, porque ainda restava o escuro da sexta-feira, mesclando nas nuvens uma aqualera inenarrável, e indescritivelmente linda. A sexta-feira se trsnformava em sábado mais uma vez, e ela jazia imovel na janela, olhando tudo aquilo, procurando no céu algo importante que deveria estar dentro dela.
O sabado se fez por completo. Vê-lo se transformar não foi mais que perda de tempo; a única coisa que achou foi o atraso que não poderia acontecer naquela manhã. Olhar o milagre do dia não era nada mais que o choque de suas lagrimas incoerentes com o frio torturante da manhã que se formou diante de seus olhos.
Cansada, foi ao banho quente. Ligou o chuveiro e fez chover gotas de pecado que a banhavam com a mentira que ela vivia. Aquela não era ela, não poderia ser; impossivel. Como se não aguentasse mais, gritou e se ajoelhou no chão molhado. Estava cansada, mesmo com a noite calma de sono, estava ainda cansada. Ela apenas não sonhava mais como fazia antigamente. Um a um, seus sonhos secaram, e as gotas d’água so lembravam isso.
Então, findo o banho foi ao trabalho. E findo o trabalho, retornou a sua vida. O sábado a empurrava rapidamente para o fim. Curiosamente o dia passou mais rápido, e então, estava ela novamente olhando o fim da tarde e o começo da noite com a melancolia esquecida pela manhã. Pouco a pouco ela ia reparando que aquilo a fazia mais feliz. E ser mais feliz é toda a felicidade que ela poderia ter, era seu tesouro que não cabia dentro dela e teria que dividir com alguém.
O gato dormia solenemente e logo ela o descartou. Não tendo mais ninguém disponível, foi a varanda de sua casa olhar o pôr-do-sol. Sentou-se na cadeira e lá ficou, contando a ela mesma o quanto feliz ela estava, como se isso fosse um grande crime, o que lhe acabava de render uma cara de culpa e prazer. Ela era, enfim, egoista. Toda a felicidade que sentia, pouco a pouco ia transferindo, como se contasse o maior segredo do mundo, para ela mesma. Uma mulher que jazia morta dentro do peito.
Então, voltou a cozinha e espantou o gato do seu sono. Ele a olhou ferozmente, com raiva, jurando vingança. “Gatos são assim, vingativos” - pensou. Pegou uma cerveja na geladeira, coisa que não fazia a muito tempo e voltou para a imensidão do fim da tarde. Sua única pretensão era ser uma bebada, nada mais que isso. Uma vadia que atrai olhares e atenção para ela mesma, enquanto os outros lhe cedem poucos segundos de repreensão.
Estava fora de si, e os vizinhos já cediam os segundos, apontando a risada infernal da mulher. Ela ria alto, porque quase nunca fazia isso. Então, ela ria mais alto, desafiando a si mesma a ser mais feliz do que se sentia. Então, tudo virou um circo, e qualquer um que passava no fim daquela tarde via a mulher na imensidão da tarde que se acabava. Agora, além de bebada ela era louca, pois gritava a quem quisesse ouvir os absrudos cometidos por ela, contra ela.
Por fim, escureceu. Cara mista de vergonha e orgulho. Deitou-se na cama, já sem felicidade alguma. A festa tinha seu fim. Ainda sorrindo sem motivo, orgulhava-se de não ter fumado cigarro algum.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Encontro marcado

Foram 15 minutos antes do combinado. Ele estava sentado, com um boque de rosas vermelhas, disposto a amá-la novamente, feliz por ter tido uma chance; na outra mão ele amassava em uma pequena bola toda a dor e toda a culpa que ele sentiu nas últimas semanas. Então ele dividiu sua vida em duas: a pequena parte na qual ele fora feliz insistentemente e o resto que naquele momento não tinha importância; ele apenas ia esquecer tudo em nome do amor que sentia. Foram 15 minutos de tremenda alegria que se agregava vivamente a ele. Tanto lutou, tanto quis, tanto fez e estava prestes a conseguir. Então, começou a dividir os 15 minutos, como estava fazendo com a sua vida anteriormente.
Os cinco primeiros minutos foram rápidos e felizes, de expectativas. Ensaio de gestos, beijos, imaginação de possíveis erros e seus possíveis consertos; os cinco minutos do futuro que sonhou ao lado da mulher pela qual esperava. Os cinco minutos seguintes não foram apenas cinco minutos; foram três minutos em meio que sobravam em cinco. Passaram rapidamente, e duraram séculos, foram os segundos mais complicados de existir; estavam neles os momentos de extrema dor pela qual passou, e cabia nesses segundos o vazio pelo qual ele se submetia insistindo em amar alguém que não fosse ele.
Os últimos cinco minutos não foram completos. Pertenceram a ele o tempo total e a triste tarefa de se levantar e caminhar praça afora, deixando no banco a felicidade pela qual andava procurando. Foram cinco minutos sem fim; incompletos e interrompidos. Tão secos como toda a dor que ele sofreu por abandoná-los sem saber o que teria acontecido caso ficasse. Esses tristes minutos infinitos o levaram para outra vida, o deixaram desamparado em casa; não acabaram e o visitam de madrugada.
Foram 15 minutos depois do combinado. Ele já estava em casa, acabara de rodar a chave na porta e viu, por dentro de seu apartamento, uma carta. Ela desculpava-se, mas tinha encontrado um amor que não era ele. Sorriu então, e voltou a viver sozinho com ele mesmo.