Após desligar o telefone permaneci deitado por um tempo. Ainda estava usando a calça jeans e a blusa simples com aquela estampa de Nova Iorque que eu tanto gostava. Aquelas duas juntas ficavam tão bem que até parecia um pecado tirá-las, ainda que elas não tivessem utilidade alguma. Olhando para nuvens eu imaginava o momento de tirá-las; completamente arruinado pelo algo que jamais aconteceu, pelas pessoas que jamais nos veriam com aquelas roupas. O calor que os sapatos faziam aos pés até pedia que pelo menos eu os tirasse, mas estava tão determinado a sair vestindo aquela fantasia de homem feliz, que mesmo assim, abatido, desci as escadas lentamente e, ao chegar à cozinha, escolhi dez uvas verdes que estavam repousando no seu sonho de vinho. Comi-as todas, devagar, sentindo o néctar, aproveitando ao máximo o seu gosto finito. Eu as abria ao meio e retirava as sementes com a língua, logo em seguida cuspindo em um cesto de lixo.
Eu sentia raiva. Não era apenas a roupa; também tinha o fato de eu ter recolhido milhões de moedas por todos os cantos da casa e não poder gasta-las. Eu tinha reunido, com muito orgulho, dez reais. Isso valeria um real pra onde eu pretendia ir, mas mesmo assim, valia algo, valia usar a minha roupa, valia sorrir. E eu não ia. Então estava eu sentado na frente do computador, pensando em uma reviravolta possível, uma alegria substancial que pude-se me mover imediatamente para a rua, correndo de alegria, pipocando de idéias e ansioso como nunca fico. Ao invés disso eu só me sentia um derrotado. Eu já tinha soluções pra usar outras roupas em outras ocasiões ainda mais difíceis, que exigiam ainda mais da minha superação em nome de alguém. E tudo o que eu me ouvia dizer era que “hoje não vai dar, hoje realmente não vai dar...”. Tristes reticências que me derrubavam ainda mais. Eu quero lutar, eu quero fazer as coisas acontecerem.
Então eu paro agora pra pensar o que aconteceria caso eu tomasse quaisquer decisões. Tenho dois finais possíveis. Prefiro imaginar o que não aconteceu, porque de qualquer forma isso sustentaria a mim e aos meus sonhos. Vou falar do momento cansáveis que desperdicei na tela do computador e de toda a caixa de chocolates que eu comi enquanto via os meus seriados no computador. Me sentiria bem, por que isso tem sido minha morfina por toda a vida.
Foda-se a anestesia, eu quero viver, porra!
(A partir desse momento, recomendo a leitura munida de Fanta Uva, Doritos e Diamante Negro)
Agora eu tomo espaço pra continuar aonde eu parei. Minha história continua no momento que eu decido inventar um motivo maior. Ele eventualmente apareceria, de qualquer forma. Eu simplesmente me afirmei e disse: eu vou, e não quero saber se você vai, eu vou mesmo assim, porque eu já estive pronto muitas vezes para desistir mais uma vez. Eu vou, e hoje vai dar.
Desliguei o monitor e fui andando. Enquanto caminhava fui maturando razões, desculpas, respostas, contra-argumentos, réplicas, frases de efeito e possíveis cenários. A verdade é que eu nunca fui um homem que fazia da vida uma surpresa; no momento eu sou esse cara que eu sempre quis ser, e pra ser bem honesto, eu me sinto tão bem sendo ele que de agora em diante eu só sei sê-lo.
Luzes, luzes, ônibus, ruas, ruas, avenidas, ruas, esquinas, trânsito, lugares, idéias, carros, mais carros, lugares, idéias, contra-argumentos, medo, respostas, possíveis cenários, respostas e então eu desço do ônibus e caminho de cabeça erguida, satisfeito por ter seguido uma convicção boba que mais tarde faria toda a diferença pra mim.
Eu o encontro e ele sorri em retorno, cheiroso, tão delicado e faminto. Me faz sorri e pensar em felicidade de um jeito menos denso, mais próximo e cada vez mais presente. Lembro que semana passada tudo era um sonho, e ainda hoje eu acordei pensando que tudo tinha acabado. Não, não tinha, não hoje, provavelmente amanhã, mas não hoje.
Conversamos em dois bancos. Enquanto ele sorria, eu ouvia um piano ao longe tocando notas harmônicas. E era aquele ritmo que me balançava e inquietava meus tiques nervosos – sempre vou precisar deles, mas hoje não, jamais no dia de hoje. Onde estava o silêncio, aquele pobre coitado? Extinto. E eu feliz, segurando com todas as minhas forças o grito de vitória. Preciso desse drama, preciso dessa crônica, preciso que todos, principalmente eu, saibam o quão feliz eu estive estando enquanto escrevia a crônica mais fraca de toda a minha carreira. Preciso que os críticos digam que não há nada o que dizer sobre minha postura infantil perante a Literatura, preciso que pronunciem ofensas quentes e dolorosas e que cuspam todos os erros que eu cometi conforme o texto crescia. Preciso que as pessoas que leram os dois parágrafos iniciais cheguem a esse ponto e concordem unânimes com a perda de tempo. E principalmente, preciso que quem chegou a essa ultima frase me homenageie fechando os olhos e sorrindo algo que precise ser sorrido.
terça-feira, 19 de julho de 2011
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