domingo, 21 de março de 2010

Atrasos.

Havia um último gole de café dentro daquela mínima xícara. Era a segunda. A primeira foi rapidamente, eram apenas alguns minutos de atraso, então ele pediu algo para passar o tempo, enquanto sorria olhando o lado de fora daquela cidade nova. Pessoas passavam pela vitrine, apressadas, calmas, tristes, felizes. Nada se ouvia além do usual tilintar das xicaras nos seus pires. Vez por outra ainda ouvia-se alguem chamando o garçon, ou um tom de voz se elevando. Isso era o normal: pessoas que se encontram com amigos e amores dentro de uma aconchegante cafeteria em um dia cinza de inverno; o que ainda era compreensivel eram os atrasos.
Um último gole se fazia inevitavel. Café esfriando enquanto procurava uma desculpa, a última, para esperar mais outra xícara. Sem mais chances, todas haviam sido desperdiçadas. Seria patético perdoar quem nem sequer havia chegado a tempo para perdir perdão. E então, se chegasse, seria o transito a desculpa. Claro, o trânsito, sempre o trânsito ou a mãe doente. Não haveria mais chance. Era um fim que começaria a doer com aquele último gole frio.Olhou o relogio, como se ainda esperasse encontrar uma hora congelada, e tratou logo de abaixa-lo. Quando fora a última vez que olhava as horas?
As pessoas o olhavam. Não era como se ele fosse um animal diferente, ou travasse uma luta contra seu relógio ou aquela xicara. As pessoas simplesmente olhavam e sentiam a sua dor. Os tomadores de café sempre conseguiam entender qualquer coisa. Consguiam vê-lo olhando a vitrine, esperando encontrar alguém que poderia chegar de todas as direções, ou de qualquer forma enquanto as luzes acendiam lentamente. Não era noite, era apenas escuro. O amarelo chegava perto da sua face,beijando as bochechas e a boca, quase o expulsando daquela impossibilidade que era estar sozinho em um lugar cheio. Era um rapaz realmente muito bonito, principalmente quando a luz o alcançou completamente.
Encaixou um dos dedos na pequena asa da xícara e a levou rapidamente para os lábios. Todo o processo foi visto, e em algum canto, alguem entendeu o que realmente significava beber tudo aquilo. Alguem deve ter entendido porque não era assim tão dificil esconder aquela dor e disfarçar a falta de satisfação em beber um café. Nunca é fácil ter que engolir o fim em apenas um gole. Alguém deve ver, e seria realmente muito importante que alguém conseguisse pará-lo. Para isso não seria necessário muito esforço. Alguem poderia pedir uma informação, ou começar alguma briga. Qualquer um poderia elevar seu tom de voz, ou começar uma discursão. Todos, de alguma forma, se interessavam no rapaz que sentava perto da janela.
Bebeu aquele resto de café, com dor.
O mesmo gosto de antes, que se pelo menos fosse diferente de tudo, consequentemente, seria mais facil de ser reconhecido. Então esse era o fim, aquilo que tinha o mesmo gosto do começo? Levantou o dedo, e imediatamente o garçom o atendeu. Desejou apenas a conta, e enquanto colocava seus livros dentro da bolsa, alguem sentava-se destretenciosamente. Só consegui notar que seu encontro o encontrava quando o garçon anunciou-se presente.
Levantou-se e saiu, ainda com o gosto amargo na boca.

Um comentário:

Contra o superficial?Nada? Ou nadar para o fundo... produndo... disse...

"A esperança é o derradeiro mal; é o pior dos males, porquanto prolonga o tormento."
Nietzsche